sexta-feira, 27 de setembro de 2024

Van Zellers & Co., um espírito renovado. (I)

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Passado e presente, tradição e modernidade.

Resumo:

Parte I:

  1. Como tudo começou, uma viagem pela história da familía e da Van Zellers & Co.. As origens e as referências histórias.
  2. Cristiano Van Zeller, o percurso de vida no Douro. Antes do "Novo Douro", a aventura dos vinhos tranquilos na região. Os Douro Boys.
  3. A actualidade. O relançamento e a nova vida da Van Zellers & Co.. A nova geração. Projectos futuros.
  4. Novos conceitos e uma nova linguagem.
  5. Conhecer as vinhas onde nascem os vinhos. O factor VV, a importância das vinhas velhas, uma herança viva. A caracterização das vinhas.
  6. A viticultura. Preservação e sustentabilidade. As técnicas tradicionais. A curetagem.

Parte II.

  1. A vinificação, o êxito dos métodos tradicionais.
  2. Os vinhos que contam histórias. Os Vinhos do Porto. Os vinhos D.O.C. Douro.
  3. Os mercados. Volume de negócios e exportação.
  4. As reflexões sobre o futuro.
Vinhos criados pela mão do homem, "Crafted by hand". Van Zellers & Co. Porto Tawny 30 e 40 anos.

Parte I.

1. Como tudo começou, uma viagem pela história da família e da Van Zellers & Co.. 

  As origens e as referências históricas. “Um apelido exótico”… 

    É antiga e longa a história da família Van Zeller, remonta a séculos atrás. As primeiras referências documentais indicam a sua origem, “uma antiga e nobre linhagem flamenga” que, pelo menos desde o séc. XIII ocupava uma posição de prestígio. No século XVI residiam em Nimega (cidade localizada actualmente no leste dos Países Baixos, próximo da fronteira com a Alemanha) que, nessa época, no contexto histórico das guerras religiosas entre católicos e protestantes que assolaram a Europa, foi ocupada pelos Países Baixos. Estas convulsões religiosas e políticas, as suas firmes convicções católicas e a imposição do protestantismo, tiveram como consequência que fossem privados dos seus bens, ofícios e dignidades e levassem os Van Zeller a retirarem-se da cidade onde residiam, a dispersarem-se por diversas outras cidades e a dedicarem-se ao comércio a partir de então (1).

Nimega, 1683.

    A sua actividade iniciou-se como comerciantes gerais, como négociants, dedicando-se ao comércio em grosso, geral e diversificado e a fazer negócios internacionais que, obviamente, incluíam negócios com vinhos, e acabariam também por se estabelecer em Portugal no século XVII.

    Existem diversos registos documentais que mencionam vários membros da família Van Zeller, mercadores e negociantes, estabelecidos em Portugal e que manteriam negócios na capital do reino e, pelo menos, desde finais do séc. XVII, surgem diversas referências à presença de vários Van Zeller na cidade do Porto, “pelo menos finais do séc. XVII multiplicam-se, também, as referências à presença de diversos van Zeller na cidade do Porto, em especial de descendentes de Arnaldo João van Zeller, de Nimega.”. “Entre 1680 e 1690, por exemplo, aparecem-nos como mercadores na praça do Porto, a importar diversas mercadorias do Norte da Europa, Henrique, Guilherme e João van Zeller.(1)

    Todavia, a única linha masculina que permanecerá em Portugal é a do sétimo avô de Cristiano van Zeller, Arnaldo João van Zeller, que nasceu em Rorterdão em 1703 e que veio a Portugal para ser testemunha do casamento de um primo direito. Acabaria por deixar a casa de família em Roterdão, nos Países Baixos, para se mudar definitivamente para a cidade do Porto em 1720.

    Seria, no entanto, a descendência de outro filho (Luís Francisco van Zeller, de Roterdão), do já referido Arnaldo João van Zeller, de Nimega, que viria a radicar-se no Porto. Arnaldo João van Zeller, filho de Luís Francisco van Zeller e Joana Harles, nascido em Roterdão (em 1702) veio para o Porto, provavelmente no início da década de 1730 e aqui casou, em 1735 (…) com Ana Francisca Henckell filha do abastado negociante hamburgês Pedro Henckell.“(1) e da inglesa Ana Maria Palmer, residentes na cidade do Porto. Ana Francisca era herdeira de dois negociantes de vinho do Porto, o pai Peter Henckell e o avô Samuel Palmer e também descendente directa do primeiro comerciante inglês a negociar vinhos no Porto, Walter Maynard, que se estabeleceu no Porto como negociante de vinhos, em 1650. Por sua vez, Walter Maynard, tinha casado em 1654 com Leonor da Silva Moura, filha de Francisco da Silva Moura, que se tinha estabelecido como comerciante de vinhos no Porto, desde 1620, o que permite determinar na ascendência da família, uma ligação ininterrupta ao comércio de vinhos, desde essa data.

    E foi no Porto que desenvolveu a sua actividade de comerciante de grosso trato (“Arnaldo João van Zeller & C.ª”), provavelmente estaria também ligado aos negócios do seu sogro Pedro Henckell ("Pedro Henckell & C.ª”) que era, por esta altura, um dos maiores comerciantes da cidade, também já ligado ao comércio dos vinhos, sobretudo a parte da família inglesa Palmer.

(Van Zellers & Co.)

Um nome da família estrangeiro, “Escrever Vanzeller é dos apelidos exóticos, isto é, extra peninsulares”. (Luiz de Mello Vaz de S. Payo).

    Uma importante família do Porto setecentista, os van Zeller ficariam ligados à tradição e história da cidade, ao nosso país, à região e aos vinhos do Douro. Com o decorrer dos anos, desde que os primeiros van Zeller se estabeleceram em Portugal, ligar-se-iam a outras famílias e nacionalidades, descendentes de ingleses e alemães. Pelo menos desde o século XVII, na árvore geneológica da família van Zeller, existem ligações a outras famílias com origem estrangeira – Palmer, Maynard, Kopke, Henckell e Whittinghall – que estavam ligadas ao comércio, em que do vinho do Porto assumia já grande importância, pelo menos desde 1620.

    Em 1730, os van Zeller eram comerciantes activos e manifestaram vinhos na imposição do Porto, sem contudo, aparecerem na lista de exportadores.

    Mais tarde, a descendência de Arnaldo João continuaria o negócio dos vinhos, fundando uma companhia de vinho do Porto e em 1780, é criada oficialmente a “Van Zellers & Cª Lª.” (designação que teria sido utilizada pela primeira vez em 1675, de acordo com Cristiano van Zeller), por dois filhos de Arnaldo João, Pedro, o filho mais velho (de que descende CvZ) e o irmão Arnaldo. Iniciam-se assim, num comércio mais específico de vinho, com a fundação oficial da companhia, no começo da era dourada do comércio do vinho do Porto, nesta época um negócio dominado pelas companhias britânicas. A companhia, das mais antigas do sector, era uma das maiores dessa época e integrava a lista de exportadores não ingleses que em 1792 seria estabelecida pela Companhia Geral de Agricultura dos vinhos do Alto Douro.

    Os antigos registos demonstram que os primeiros escritórios e armazéns da Van Zellers & Co. em Vila Nova de Gaia, localizavam-se num edifício onde actualmente se encontra a sede da firma Ramos Pinto, na avenida Ramos Pinto, voltado ao rio no cais de Gaia, e alguns armazéns contíguos ao edifício principal. Existem documentos antigos que referem o processo de construção destes armazéns entre Pedro van Zeller (1736-1802), o sexto avô de Cristiano van Zeller, e um Mr. Neville. (da inscrição que existe actualmente na entrada principal do edífio da Ramos Pinto: “Estes prédios mandou-os construir em 1708, João Estevenson velho, mercador que foi da não britannica. Em virtude do alinhamento da rua de baixo e para melhor prospecto público, foram em 1788 indicadas modificações pelo Sargento Mór Engenheiro, ao Snr. Pedro Wanzeller Cavalleiro professo na Ordem de Christo, dono que era então dos ditos prédios.”).

    Foi por esta época que a Van Zellers & C.ª. estabeleceu relações comerciais e explorou as primeiras rotas marítimas de comércio de vinho entre Portugal e os estados bálticos, que então, no séc. XVIII integravam o Império Russo. Este comércio assumiu uma grande importância naquela época, no tempo do Czar Pedro o Grande, e Pedro van Zeller, filho de Arnaldo João, seria nomeado pela Imperatriz Catarina da Rússia, cônsul da Rússia no Porto. No séc. XVIII, a companhia detinha uma frota naval de mais de 27 navios.

    Pedro van Zeller casou, a 14 de Maio de 1767, com a inglesa Maria Isabel Wittenhall, que se notabilizou pelo seu pioneirismo na introdução e aplicação da vacina da varíola em Portugal (administrou mais de dez mil vacinas).

    Por sua vez, Francisco van Zeller, filho de Pedro van Zeller (e quinto avô de Cristiano van Zeller), foi comerciante e uma das personagens eminentes da cidade do Porto. Foi um dos financiadores do exército anglo-português de Wellington durante as guerras napoleónicas e foi também um dos assinantes da primeira constituição portuguesa de 1822. 

    Em 1811, a Van Zellers & C.ª estabeleceu-se como um dos principais comerciantes de vinho do Porto, tornando-se o 5.º maior no início do século XIX, exportando anualmente mais de 10.000 pipas.

Os antigos armazéns da Van Zellers & Co. em Vila de Nova de Gaia (do livro"Douro", Manuel Monteiro, 1911).

    No início do séc. XIX, alianças familiares uniram os Van Zeller aos Kopke, uma conhecida família também ligada à história do vinho do Porto, pelo casamento de Cristiano Kopke (filho de Nicolau Kopke, negociante hamburguês que, em 1780 tinha adquirido a Quinta de Roriz a Robert Archibald) com Leonor Caroline van Zeller. Assim, em 1815 esta quinta entrou na posse integral da família. Em 1840, com a morte de Cristiano Nicolau Kopke, um dos ramos da família assume a propriedade da histórica e emblemática Quinta de Roriz, que passou da família Kopke para a família Van Zeller. Esta propriedade manteve-se desde então na posse da família até que, mais recentemente, João van Zeller, primo de Cristiano van Zeller, ter herdado 25% da Quinta de Roriz e ter adquirido a parte restante à família. Mais tarde, em 2009, a Quinta de Roriz seria vendida à família Symington, com quem mantêm negócios e relações familiares.

    Algures no decurso do séc. XIX, a Van Zellers & Companhia, por motivos por esclarecer e ainda desconhecidos, foi adquirida por uma firma inglesa. Apesar de tudo, em meados do séc. XIX, a família Van Zeller continuaria ligada ao negócio do vinho do Porto através de outras duas empresas: a Quinta de Roriz e a Quinta do Noval. António José da Silva Júnior, trisavô de Cristiano van Zeller, tinha comprado a Quinta do Noval em 1894-1896 (não há certeza quanto à data precisa), logo após a quinta ter sido dizimada pela filoxera, iniciando a sua replantação.

    A companhia voltaria mais tarde à família quando, à volta de 1935 surge à venda e seria comprada em 1937 por Luís Vasconcellos Porto, bisavô de Cristiano van Zeller (casado com Teresa, filha de António José da Silva e que tinha abandonado a carreira diplomática para se dedicar ao negócio do vinho do Porto, com notório sucesso), proprietário da histórica Quinta do Noval, uma das mais famosas quintas do Douro, onde realizou assinaláveis trabalhos de viticultura e enologia.

    A Van Zellers & Co. que, nesses anos, não tinha actividade comercial nem stock de vinhos, seria integrada, com as suas marcas, na António José da Silva & Companhia (que alteraria em 1970 a designação para Quinta do Noval) e assim se manteve até 1987 como uma sub-marca da Quinta do Noval, utilizada em alguns países com o stock da Quinta do Noval.

    Entretanto, entre finais dos anos 30 e início dos anos 40 do séc. XX acordou-se na família, uma divisão, pela qual, os pais de Cristiano van Zeller ficariam com a Quinta do Noval e os primos com a Quinta de Roriz.

    Em 1963, com a morte de Luís Vasconcellos Porto, a firma seria herdada pela sua única filha, Rita Vasconcellos Porto que, como mencionamos, estava casada com Cristiano van Zeller, o avô de CvZ, e por conseguinte, ligando a Quinta do Noval à família proprietária de Quinta de Roriz. 

  Naquela data, Fernando van Zeller tornar-se-ia o director executivo e, juntamente com o irmão Luís, netos de Luís Vasconcellos Porto, assumem a gestão da Quinta do Novel até 1982, data em que, Fernando abandonaria a direcção, após a morte de Luís van Zeller. A firma continuaria a ser um negócio familiar quando, no final de 1982, Cristiano van Zeller e a irmã Teresa assumem a administração, juntamente com a prima Rita, também ligada à direcção da quinta.

    Um ponto que mencionaremos a seguir e que marcou a história da companhia foi o grande incêndio que ocorreu nos armazéns da Quinta do Noval, situados em Vila Nova de Gaia, em Outubro de 1981, que destruiu os escritórios, as linhas de engarrafamento, parte da produção e uma grande parte do arquivo documental com interesse para a reconstituição histórica, não só Quinta do Noval, mas também da Van Zellers & C.ª, que se perdeu definitivamente.

    Em 1987, Cristiano van Zeller, com o acordo e em parceria com os seus primos proprietários da Quinta de Roriz, os tios avós e os primos direitos do pai, em que estes eram os sócios em minoria e a Quinta do Noval o sócio em maioria, decidiram recuperar e reactivar a empresa de forma independente, e a Van Zellers & Co. ganhou autonomia jurídica, agora com vinhas e stocks próprios, o que se concretizou em 1991. A Quinta de Roriz passou a ser a única propriedade da firma com a designação “Van Zellers – Vinhos & C.ª L.ª”.. Não foi, porém, uma situação duradoura, uma vez que, com a venda da Quinta do Noval em Abril de 1993 à Axa Millésimes, a firma seria incluída na venda e os seus activos liquidados e a firma desactivada.

    A firma e todas as marcas associadas acabariam mais tarde, como veremos, nas mãos do ramo da família Van Zeller, proprietário da Quinta do Roriz e depois, como resultado de um processo de partilhas, apesar de não existirem activos e stocks de vinhos ou vinhas, ficariam na única propriedade do primo João van Zeller que em 2006 as oferece a Cristiano van Zeller para a comercialização de vinhos do Porto e Douro.

   Desde então, a partir de 2007, Cristiano van Zeller, iniciaria um novo capítulo desta companhia bicentenária, com a reconstituição da empresa, começando por refazer e reconstituir os stocks de vinho do Porto e vinhos do Porto velhos, essenciais para ter a diversidade necessária (diversas idades, perfis, aromas e sabores) para criar os diferentes lotes, mas também acrescentou os vinhos DOC Douro ao portfólio. Em 2006 tinha feito o primeiro vinho branco na Quinta Vale D. Maria, com uvas compradas, uma vez que esta propriedade não tinha uvas brancas, a que chamou “VZ”, uma das marcas da Van Zellers & Co., e nos anos que se seguiram foi reconstruindo progressivamente a empresa dentro da estrutura da Quinta Vale D. Maria. Em 2009 são relançados e começaram a reaparecer os primeiros os vinhos do Porto Van Zellers e em 2011 surgiu o primeiro CV- Curriculum Vitae tinto DOC Douro.

    Depois e até à actual fase em que a Van Zellers & Co. é relançada no mercado com um novo projecto e uma nova identidade, manteve-se uma empresa familiar, a que se juntaram a 15.ª geração, representada por Francisca van Zeller, a filha mais velha de Cristiano van Zeller e da sua mulher Joana, logo em 2013, para trabalhar no departamento de marketing e vendas. Em 2017, após a venda da Quinta Vale D. Maria à Aveleda S.A., Cristiano e Joana passam a dedicar mais tempo à empresa, desenvolvendo o stock de vinho do Porto mais antigo e consolidando os 15 hectares de vinhas (14 hectares de vinhas de vinho tinto, essencialmente nos vales do rio Torto e rio Pinhão e 1 hectare de vinha para vinho branco, na área de Murça).

    Bibliography:

  • (1) Martins Pereira, Gaspar - "Roriz, História de uma Quinta no Coração do Douro". Edições Afrontamentp, Outubro 2011.
  • S. Payo, Luiz de Mello Vaz de – "A Pré-História da Família Vanzeller". «Genealogia & Heráldica». Porto: Centro de Estudos de Genealogia, Heráldica e História da Família da Universidade Moderna, n.º 1 (Janeiro/Junho, 1999).
  • Teixeira Pereira, Pedro – "Os Pedrossem, uma família da Elite no Porto Setecentista". Douro, Estudos & Documentos. Vol. VIII (15). 2003 (1.º), 103-139.
  • Valente, Vasco – "Van Zeller, Descendência de Arnaldo João van Zeller, Notas genealógicas." Braga: Of. Gráfica da “Pax”, 1932.
  • Pintão, Manuel e Cabral, Carlos – "Dicionário Ilustrado do Vinho do Porto". Editora de Cultura, 2011.

 

 2. Cristiano van Zeller, o percurso de vida no Douro.

trabalho com algo que é fundamental para o espiríto humano, o vinho." Cristiano van Zeller.

    Cristiano van Zeller representa a 14.ª geração da família ligada aos vinhos do Douro. Nasceu no Porto, que foi sempre a sua cidade e passou grande parte da sua infância no Douro. Com uma vida dedicada à região, tem um longo currículo enológico e uma experiência de 43 vindimas. Foi um dos pioneiros na experimentação dos vinhos tranquilos que a região hoje produz com grande sucesso, é uma das reputadas e incontornáveis personalidades do Douro e um dos seus embaixadores.

    O Pai era engenheiro civil, trabalhou na hidroeléctrica do Douro e nunca esteve ligado ao negócio dos vinhos, (era apenas accionista na empresa da família, a Quinta do Noval). O Avô Cristiano van Zeller, também engenheiro civil (casado com Rita Vasconcellos Porto), trabalhou na Quinta do Noval com o seu bisavô, Luís Vasconcellos Porto. Tal como o pai e o avô, também Cristiano van Zeller começou por seguir os estudos de engenharia civil.

Quinta do Noval. Em 1979 estudava engenharia industrial na Escola de Engenharia de San Sebastián, na Universidade de Navarra, em Espanha, quando regressou a Portugal, após a morte do pai, inicialmente para prosseguir os estudos, agora engenharia civil, no Porto. Todavia, as circunstâncias daquela época encaminharam-no noutro sentido e, ainda que indirectamente, logo em 1980 começou a estar envolvido e a verdadeiramente interessar-se pelo mundo dos vinhos. Em Março de 1981 começou oficialmente a trabalhar na Quinta do Noval, a empresa da família, a convite dos tios Fernando e Luís van Zeller (irmãos do pai) que eram os administradores da empresa, como representante do seu lado da família na administração. Foi também em 1981 que realizou a primeira vindima no Douro. Logo no ano seguinte, na sequência da inesperada morte do seu tio Luís e, na sequência, com a decisão de demissão do tio Fernando van Zeller, que forçaria a restante família a vender a companhia, (decisão que, contudo, acabaria por não ser concretizada) e entre complicados desentendimentos familiares, no final de 1982, Cristiano van Zeller, então com 23 anos de idade, juntamente com a irmã Maria Teresa e a sua prima Rita, assume a administração e os destinos da Quinta do Noval. Nesta difícil fase contou com o importante apoio de amigos do pai, entre os quais o Eng.º Vitor Brandão Cardoso de Menezes, José António Rosas, Fernando Guedes, Robin Reid, Alistair Robertson, que contribuíram para a continuidade da vida da companhia, para a sua recuperação, equilíbrio financeiro e reconquista de confiança.

(Van Zellers & Co.)

    Logo no ano seguinte, na sequência da inesperada morte do seu tio Luís e com a decisão de demissão do tio Fernando, o que forçaria a restante família a vender a companhia, (decisão que, contudo, acabaria por não ter sido concretizada) e entre complicados desentendimentos familiares, no final de 1982, Cristiano van Zeller, então com 23 anos de idade, juntamente com a irmã Maria Teresa e a sua prima Rita, assume a administração e os destinos da Quinta do Noval. Nesta difícil fase contou com o apoio de amigos do pai, entre os quais o eng.º Vitor Brandão Cardoso de Menezes, José António Rosas, Fernando Guedes, Robin Reid, Alistair Robertson, que contribuíram para a continuidade da vida da companhia, para a sua recuperação, equilíbrio financeiro e reconquista de confiança.

    Pouco tempo depois da sua chegada, a 20 de Outubro de 1981, ocorreu um grande incêndio nos armazéns da Quinta do  Noval, no Entreposto de Vila Nova de Gaia, num dos dois armazéns que se situavam na rua Cândido dos Reis e que a rua dividia, que destruiu uma grande parte das instalações da empresa, os escritórios, uma importante parte dos arquivos e documentação da casa assim como da Van Zellers & Companhia, as linhas de engarrafamento, uma parte considerável do stock de vinhos (cerca de 350.000 litros), o que acabou por determinar o que seria o futuro da Quinta do Noval a partir dessa altura. Em 1982, decidiu-se reconstruir as instalações da empresa, não em Gaia, mas no Douro, tendo sido a primeira empresa a transferir as suas instalações para a região duriense.

    Foi durante esta fase, em 1987, que Cristiano van Zeller conseguiu reconstruir a Van Zellers & Companhia de forma independente, com os tios e primos da Quinta de Roriz.

    A Quinta do Noval ao longo dos anos, foi o cenário em que novas gerações exploraram métodos inovadores na vinha e na enologia e em diferentes estilos de Vinho do Porto. Estas metodologias incluíram videiras não enxertadas, que deram origem à criação de um dos vinhos mais famosos do mundo: o mítico Porto Quinta do Noval 1931 Vintage Nacional e a criação de vinhos do Porto Tawny envelhecidos (10, 20, 30 e 40 anos) e ao estilo Late Bottled Vintage.

    Cristiano van Zeller, trabalhou na Quinta do Noval, de 1981 até 1993, ano em que a família, depois de períodos de convulsões na empresa e complicações familiares, acabaria por decidir a venda da Quinta do Noval à companhia seguradora francesa Axa Millésimes, que se concretizou em Abril de 1993, sendo a Van Zellers & C.ª. incluída na venda. As circunstâncias e a falta de capacidade para dar continuidade ao projecto sozinho determinariam que Cristiano van Zeller seguisse a decisão familiar, ficando com uma pequena percentagem na empresa.

    Em 1984, Cristiano van Zeller casou com Joana de Carvalho Lemos.

Quinta do Crasto. Após a venda da Quinta do Noval, Cristiano van Zeller ficou ainda cinco meses com os novos donos franceses, mas logo a seguir à sua decisão de sair, em finais de 1993 e em conversa com Jorge Roquette, surgiu a oportunidade de integrar o projecto inicial da Quinta do Crasto, que começaria oficialmente a 2 de Janeiro de 1994. Representou um reforço de confiança e a oportunidade de continuar ligado ao sector do vinho do Porto e ao Douro como era a sua firme intenção. Cristiano van Zeller esteve ligado ao desenvolvimento do projecto, aos novos vinhos DOC Douro e à parte comercial. No início e durante cerca de um ano criou-se o projecto e um mercado para apresentar e vender vinhos que na altura ainda não existiam, uma vez que a primeira colheita ocorreria em Setembro de 1994 e só se começaria a vender um ano mais tarde. A parte técnica foi assegurada pelo enólogo australiano (agora com dupla nacionalidade australiana e portuguesa) David Baverstock (era o enólogo do Esporão, de José Roquette, irmão de Jorge) e a produção de vinhos nesta quinta foi iniciada de imediato, assim como se deu a necessária atenção ao stock de vinhos do Porto e começaram a engarrafar-se os vintage e a criar vinhos para os Porto LBV da casa.

    A Quinta do Crasto tornar-se-ia em pouco tempo um caso de sucesso. Um projecto bem estruturado e organizado, inicialmente concebido sobretudo para a exportação, como o foi nos primeiros anos (só mais tarde, em 2001, os vinhos D.O.C. Douro da Quinta do Crasto seriam lançados no mercado nacional), porque o principal objectivo que era considerado fundamental seria conseguir atingir o mercado internacional. CvZ manter-se-ia ligado ao projecto da Quinta do Crasto até 2000.

Quinta Vale D. Maria. Em Setembro 1996 surgiu uma nova aventura, quando Criatiano van Zeller e a mulher Joana de Carvalho Lemos, adquirem a Quinta Vale D. Maria à família desta. Uma quinta com origem no séc. XVIII e existência conhecida desde 1868, localizada em Sarzedinho, no vale do rio Torto, Ervedosa do Douro, na sub-região do Cima Corgo e que estava desde 1973 arrendada ao grupo Symington. Surgiu então a possibilidade de iniciarem um projecto próprio, familiar e totalmente independente, numa propriedade que compreendia então 10 hectares de vinha com grande variedade de castas, um terroir de excelência com grande potencial para produzir vinhos de alta qualidade. A quinta foi o berço dos projectos próprios da família.

    Por esta altura, em conversas informais com os primos da Quinta da Aveleda foi abordada a possibilidade de fazerem um projecto em conjunto no Douro que, no entanto, não chegou a acontecer.

    O primeiro vinho da Quinta Vale D. Maria seria vinificado logo em 1996 (foi a filha Francisca van Zeller quem primeiro entrou no lagar para pisar as primeiras uvas da quinta), à época ainda na Quinta de Nápoles, com o apoio do amigo Dirk Niepoort neste inicio de actividade e com uma produção muito pequena de 2000 garrafas no primeiro ano. Nos anos seguintes as vinificações ocorreriam na Quinta do Crasto, uma vez que só em 2001 ficaria concluída a adega própria e a primeira vindima totalmente realizada nos lagares da Quinta Vale D. Maria. Por ali passariam conhecidos viticultores e enólogos, como Álvaro van Zeller, Sandra Tavares da Silva, Joana Pinhão e Ricardo Pinto Nunes.

    A empresa que detinha a Quinta Vale D. Maria tinha a denominação “Lemos & van Zeller, Lda.” e mais tarde “Quinta Vale D. Maria, S.A.”. A Van Zellers & Co., mais vocacionada para os vinhos do Porto desenvolvia a sua actividade integrada e em complementaridade com a Quinta Vale D. Maria”, que por sua vez estava mais orientada para os vinhos do Douro, “era uma empresa de vinhos do Douro com vinho do Porto”, até 2017. Para o desenvolvimento e consolidação da Quinta Vale D. Maria e de uma marca com valor, de 2011 até 2017, tiveram um papel fundamental um conjunto de quatro amigos (António Lobo Xavier, Carlos Moreira da Silva Paulo Azevedo e Ângelo Paupério) que financiaram, foram accionistas e tiveram um papel fundamental, numa altura mais complicada da vida da casa.

Quinta do Vallado. Depois, em 1996, quando ainda colaborava na Quinta do Crasto, a convite dos amigos e parentes Guilherme Álvares Ribeiro e Francisco Ferreira e com Francisco Olazábal, dá o seu contributo para o nascimento e desenvolvimento do projecto da Quinta do Vallado, com grande sucesso na área comercial, onde se manteria até 2007.

(entretanto, como curiosidade, para além de todos estes episódios relacionados com o mundo do vinho, CvZ, em 1993, juntamente com o irmão, a irmã e outros sócios, que hoje são os donos, iniciou o estabelecimento e a distribuição da Haagen Dazs em Portugal)

    Em 2008, houve um acordo entre João van Zeller, proprietário da Quinta de Roriz, e Cristiano van Zeller e Sandra Tavares da Silva, para assegurar a produção dos vinhos desta propriedade.

    Em 2015 iniciaram-se conversas com os primos da Quinta da Aveleda (com António e Martim Guedes, a quinta geração da família Guedes), curiosamente a propósito da Van Zellers & Co., que é o elo familiar entre as duas famílias. O resultado final foi o oposto do determinado inicialmente e que se concretizaria depois, em 2017, num acordo para a integração da Quinta Vale D. Maria na Quinta da Aveleda, tornando-se CvZ um accionista minoritário desta empresa e o responsável pelos vinhos de gama superior. Esta ligação representou a reunião de dois ramos da família, Guedes e Van Zeller. Existe uma ligação familiar de parentesco com a família Guedes da Aveleda e da Sogrape, através de uma descendência comum do trisavô Cristiano van Zeller (que teve 3 filhos, dois dos quais com descendência, o bisavô Fernando e a tia bisavó Fernanda van Zeller que casaria com o Sr. Fernando Guedes da Silva da Fonseca que era o dono da Quinta da Aveleda e daqui nascem os dois ramos da família, o ramo de Cristiano van Zeller e também dos primos Álvaro e Fernando van Zeller da firma Barão de Vilar e vários membros da família Guedes). Mais do que o parentesco, a família esteve sempre ligada por laços de amizade. Deste acordo estavam subjacentes dois objectivos, por um lado a vontade de integrar uma estrutura que desse estabilidade e condições para um crescimento mais sustentado da Quinta Vale D. Maria e para a Quinta da Aveleda, conseguir associar uma quinta de prestígio com uma marca de nicho e concretizar o antigo sonho de produzir vinhos de qualidade no Douro e do mesmo modo conseguir uma maior abrangência no portfolio da Quinta da Aveleda, com uma imagem e um posicionamento entre os vinhos de qualidade superior nesta região, para além de outras regiões como a dos vinhos verdes.

    A Van Zellers & Co. mantinha-se na propriedade de Cristiano van Zeller, tendo ficado acordado também que, enquanto CvZ permanecesse ligado à Quinta da Aveleda, o que aconteceu até final de 2020, a companhia “Van Zellers & Co.” funcionaria dentro da estrutura da Quinta da Aveleda, partilhando produção, vinificação e armazenagem. 

    Cristiano van Zeller saiu do cargo de executivo da Quinta da Aveleda no final de 2020, como estava acordado inicialmente, e a partir do dia 1 de Janeiro de 2021 dedica-se totalmente à Van Zellers & Co.. Desde 2020, com a participação da filha Francisca van Zeller (que colaborou também na área de comunicação e marketing da Quinta da Aveleda), que já trabalhava com o pai desde 2013, tinham começado a projectar e a idealizar a renovação da Van Zeller &Co..

    Em 1997 criou, conjuntamente com Javier Hidalgo, da empresa “La Gitana Sherry Co.”, em Espanha, o primeiro xerez de uma só vinha, o “Pastrana Manzanilla Pasada”.

    Mantém também outro projecto, desde 2007, na região vinícola espanhola de Toro, uma região atravessada e moldada pelo rio Douro, que se chama “Hacienda Terra d`Uro”, em conjunto com Óscar Garrote e Pipa Ortega, onde têm mais de 50 hectares de vinhas, sobretudo da casta Tinta de Toro, característica desta região, plantadas num terroir histórico conhecido como Pago Bardales, e uma emblemática vinha pré-filoxérica de 6 hectares, das mais antigas vinhas existentes em Espanha e na Europa, com 160 anos de idade.

 

Antes do "Novo Douro"

A aventura dos vinhos tranquilos da região, o nascimento e desenvolvimento dos vinhos DOC Douro.

    Ao longo dos séculos, o vinho do Porto foi sempre dominante na região do Douro mas, nos anos 80 do séc. XX, houve uma série de circunstâncias que se conjugaram, uma geração de pessoas nas empresas de vinho do Porto com um profundo conhecimento do Douro e a primeira geração de enólogos da Universidade de Vila Real e Trás os Montes que começaram a trabalhar na região, as novas ideias e também as movimentações que ocorrem nas empresas históricas que foram vendidas (a Quinta do Noval, Ramos Pinto, Ferreira), que levou a que um conjunto de pessoas deixasse de ter as responsabilidades anteriores e passasse a ter alguma liberdade de acção, o que permitiu desenvolver ideias e seguir novos caminhos. Até então, existiam algumas dignas excepções à predominância do vinho do Porto, constituídas pelos exemplos dos grandes pioneiros do Douro que produziam vinhos com qualidade, mas sem denominação de origem (que seria apenas reconhecida em 1982) entre outros, a casa Ferreirinha, com o Barca Velha, a Quinta do Côtto, a Real Companhia Velha, o João Nicolau de Almeida da Ramos Pinto, Domingos Alves de Sousa, Luís Duarte e João Roseira. No entanto, a imagem dos vinhos do Douro, o mercado e a denominação de origem, simplesmente ainda não existia.

    Começou a surgir entre alguns enólogos e na Quinta do Noval em especial, a partir de 1981, uma fase de experimentação com vinhos tranquilos do Douro e ao longo desses anos, realizaram-se diversas micro vinificações e pequenas produções para avaliar a qualidade, a evolução e para tentar aproveitar o desperdício geral, em toda a região, que era não utilizar as uvas que não tinham como destino o vinho do Porto por excederem o limite do benefício estipulado anualmente, excedente que era destilado ou vendido a granel e sem uma qualidade recomendável.

    Esta revolução tranquila na região duriense despertou uma consciência crescente de que o Douro tem muito mais para oferecer do que vinho do Porto, no que seria “uma nova região dentro de uma velha região, o Douro dentro da região do vinho do Porto.” Note-se também, que o Douro é a única região do mundo que tem a capacidade para dar origem, com as mesmas uvas, a dois vinhos com classe e categoria mundial. Foi necessário mudar e renovar o pensamento para conseguir fazer dois grandes vinhos.

    Cristiano van Zeller teve o seu papel entre os pioneiros dos vinhos tranquilos do Douro. Em todos os projectos e no desenvolvimento do seu trabalho foi sempre uma voz activa na comunicação do grande potencial do Douro para a produção de vinhos DOC, para além do vinho do Porto. Em 1985, quando trabalhava na Quinta do Noval iniciou os primeiros ensaios e experimentações na produção deste estilo de vinhos e nos anos seguintes, em 86, 87, 89 e sobretudo nos anos 90, ainda numa fase anterior à geração “novo Douro”, quando o Douro dos vinhos tranquilos ainda não existia e não tinha dimensão em número de marcas de qualidade, conjuntamente com os primos da José Maria da Fonseca e com Domingos Soares Franco fizeram uma série de vinhos DOC Douro. Experiências e aprendizagem que seriam interrompidas com a venda da Quinta do Noval em 1993 e depois continuadas na Quinta do Crasto, onde se desenvolveu uma gama de vinhos de mesa, entre os melhores da região e com renome internacional. Cristiano van Zeller esteve entre os primeiros a perceber e explorar o potencial do concelho de Murça, onde realizou a sua primeira vindima e aprendeu a história dos vinhos brancos e o conhecimento deste terroir de vinhas especiais, a maior altitude e em solos de transição (xisto e granito), que é hoje amplamente reconhecida no Douro para a produção de grandes vinhos brancos. Quando dirigia a Quinta do Noval já se abastecia de uvas brancas em Murça para os vinhos do Porto brancos, e mais tarde, com a vinha de Martim uma das freguesias de Murça e que esteve na origem do vinho branco Vale D. Maria Vinha de Martim.

    No final dos anos noventa e 2000 dá-se a verdadeira revolução e podemos fixar o momento do nascimento do novo Douro em 2001, com a primeira geração de enólogos saídos da universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (como são exps., Francisco Ferreira, Francisco Olazabal, Jorge Serôdio Borges, entre outros), a geração melhor preparada de sempre que veio viver e trabalhar para a região duriense. Este é o ano de viragem, o ano de arranque do Douro a nível internacional, em que depois de projectos como a Niepoort, Quinta Vale D. Maria, Quinta do Crasto e Quinta do Vallado, em que ainda apenas se começava a conhecer superficialmente este potencial, surgem outros novos projectos criados de raíz, como a Wine & Soul, Quinta do Vale Meão, Quinta de la Rosa. Depois, nos anos 2003 e 2004 começam já a surgir vinhos com regularidade, consistência e grande qualidade.

  O “Novo Douro” caracterizou-se por um espírito muito próprio, uma solidariedade desinteressada que favoreceu muito esta fase embrionária, houve uma grande vontade de partilha de conhecimento e de experiências, de querer fazer, desenvolver e mostrar. Existiu uma consciência de um trabalho com um propósito comum, em que todos tinham a ganhar porque a região precisava de todos.

    Desde esses anos iniciais, há apenas 30 anos atrás tem sido um longo caminho e muito tem mudado. Relembramos que a primeira notícia sobre os vinhos tranquilos do Douro, surge em 2005 na revista internacional de referência Wine Spectator, com a menção a vinhos portugueses da colheita de 2003. Numa região famosa e vocacionada historicamente para a produção de vinho do Porto, ao fim destes últimos 30 anos a produção de DOC Douro já não difere muito da produção de vinho do Porto, houve um enorme crescimento ao longo deste período. De um primeiro momento em que a produção não representava nada, até aos dias de hoje, em que os vinhos DOC Douro atingem os 40% da produção total da região, o crescimento foi enorme e fundamental para manter a região viva. Se pensarmos nos vinhos brancos a produção é ainda mais recente e com regularidade apenas nos últimos quinze anos.

    Houve uma reinvenção de uma das regiões vitícolas mais antigas do mundoEm todo o caso o Douro dos vinhos tranquilos está ainda a dar os primeiros passos para tentar perceber as imensas possibilidades que a região tem para oferecer, no que é uma perspectiva muito diferente da do vinho do Porto porque as melhores vinhas para vinho do Porto não são necessariamente as melhores para os vinhos tranquilos.

Os Douro Boys... 

    Os Douro Boys mantêm-se em plena actividade depois de “20 anos a pôr o Douro no mapa”, festejados recentemente. Cristiano van Zeller é um dos fundadores e um dos cinco membros dos Douro Boys, que integra também Dirk Niepoort (Niepoort), Francisco Ferreira (Quinta do Vallado) Francisco Olazabal (Quinta do Vale Meão) e Tomás Roquette (Quinta do Crasto). O grupo surgiu em resultado de conversas informais entre estes cinco produtores de vinho da região, aproximadamente da mesma dimensão, ligados por relações familiares, nuns casos, e de amizade noutros, e inicialmente, em 2001, entre Cristiano Van Zeller e Dirk Niepoort, e da necessidade de criar uma estrutura mais organizada e profissional, um projecto conjunto com objectivos bem definidos para uma cooperação que na prática já existia. O projecto nasce oficialmente em 2002, da consciência da necessidade de criar dimensão no número de produtores e marcas de grande qualidade com o objectivo de conseguir o reconhecimento internacional da região, do potencial do Douro para a produção de vinhos DOC (depois alargado aos vinhos do Porto) e conseguir alcançar um posicionamento elevado e visibilidade no mercado. Este posicionamento era fundamental, para haver referências e criar diferenciação e um distanciamento da guerra dos volumes de produção e preços baixos, para a qual a região não está vocacionada.

    Para tanto era essencial promover, difundir e dar a conhecer a região e o que se estava a fazer junto de jornalistas internacionais, sobretudo, nos mercados emissores de opinião como a Inglaterra e depois também os Estados Unidos.

    O projecto foi-se desenvolvendo e foi promovendo não só cada um dos produtores que o integravam, mas também globalmente a região. Com as marcas que integravam o grupo, tentou-se criar uma base sólida que constituísse uma referência, para que fossem valorizadas e traduzissem o que o Douro e Portugal consegue fazer.

    Prosseguindo esta finalidade, durante mais de 20 anos, os Douro Boys levaram o nome da região e a imagem dos vinhos do Douro a um público mais alargado e os seus vinhos DOC Douro têm acumulado boas pontuações entre os críticos das revistas especializadas internacionais, sem dúvida um grande contributo para o reconhecimento do vinho português. Mantêm o objectivo de promover os bons vinhos do Douro, organizando diversas acções, como apresentações, seminários, degustações e provas em vários países, que posicionam a região do Douro no mapa das principais regiões vinícolas do mundo.


3. A actualidade. vida no Douro. O relançamento e a nova vida da Van Zellers & Co.. A nova geração. Projectos futuros.

    Uma história de família e uma história do Douro. A Van Zellers & Co. representa antes de mais, a continuidade da herança histórica da família Van Zeller, que é a inspiração na actualidade, agora com um novo dinamismo.

    Um presente de Natal especial. Nesta nova fase, existem duas datas marcantes a considerar, a primeira, em 2006, mais concretamente no Natal de 2006, quando, como referimos atrás, João van Zeller, primo de Cristiano van Zeller (então proprietário da Quinta de Roriz, que seria mais tarde adquirida pela família Symington e depois associada à Prats & Symington), lhe oferece como presente de Natal, a firma e as marcas associadas à “Van Zeller & Co.” (“Van Zellers” e “VZ”) que datam do séc. XIX, que nunca tinha utilizado e para as quais não tinha utilidade, certamente reconhecendo a capacidade de CvZ para dar continuidade à empresa da família e à comercialização de vinhos do Porto e Douro.

    Um novo capítulo iniciou-se em 2007, um recomeço inspirado na longa história da companhia e no respeito pelo património, diversidade e tradições do Douro. Cristiano van Zeller começou a recuperação da companhia, paralelamente com o trabalho que desenvolvia na Quinta Vale D. Maria e dentro desta estrutura. Desde 2007 que tem vindo a ser realizado um esforço de investimento na aquisição de vinho do Porto a granel com a finalidadecde reconstituir os stocks da firma, com base na experiência de Cristiano van Zeller e no seu conhecimento da região e dos produtores tradicionais, que ao longo de anos e gerações sempre produziram o chamado “vinho fino” que vendiam às casas exportadoras. Este investimento foi reforçado a partir de 2017 acentuando a importância dos vinhos do Porto Tawny muito velhos de grande qualidade, sempre dependente da capacidade financeira e das oportunidades que aparecem neste mercado muito específico entre os pequenos produtores tradicionais da região.

Recepção de uvas da vinha das Silvas no centro de vinificação da adega da Van Zellers & Co.

    Em 2018, atinge um stock de mais de 175.000 litros de vinho do Porto (à época, a lei portuguesa exigia aos novos produtores, um stock mínimo permanente de 150.000 litros para iniciarem a comercialização vinho do Porto), sobretudo tawny de diversas idades e tawnies velhos e muito velhos que, actualmente envelhecem na adega da companhia e que permitiram uma diversidade de vinhos de idades e características diferentes de aromas e sabores, uma complexidade que permite criar os lotes de vinhos do Porto.

    Nesta fase, foi estabelecida uma cooperação entre a Van Zellers & Co. e os primos Fernando e Álvaro van Zeller da empresa “Barão de Vilar”, para desenvolver os vinhos do Porto das várias categorias. Entretanto, o vinho “CV Curriculum Vitae” já existia desde 2011 e o “VZ” recomeçou nessa altura, ao mesmo tempo foram sendo lançados alguns vinhos do Porto ao longo dos anos. Em 2011 e 2012, a equipa de viticultores e enólogos era constituída por Joana Pinhão, Sandra Tavares da Silva, Álvaro van Zeller e Cristiano van Zeller.

Um espiríto renovado. A segunda data a assinalar é 1 de Janeiro de 2021, o dia em que Cristiano van Zeller, tendo deixado o cargo executivo na Quinta da Aveleda, se dedica em exclusivo à “Van Zellers & Co.”, o que sucede pela primeira vez desde que a companhia tinha sido vendida no séc. XIX e, à responsabilidade de uma empresa familiar e à sua continuidade no negócio do vinho do Porto e no Douro. Pais e filhos, a 14.ª e 15.º geração da família trabalham em conjunto, a nova geração assimilando a experiência, os conhecimentos e o exemplo. O pai, Cristiano van Zeller tem a responsabilidade fundamental da área de produção e Joana van Zeller assume as relações públicas da empresa. Francisca van Zeller, a filha mais velha, desde 2013 que se dedica à comunicação, marketing e mercados externos. João van Zeller é o embaixador do mercado nacional, dedica-se aos novos clientes ou a novas referências em clientes já existentes. O sangue novo e um espirito dinâmico são fundamentais para dar seguimento e manter o negócio vinho e com esta responsabilidade surgem novas ideias e perspectivas para a casa. Há agora um tempo necessário para partilhar conhecimentos, para passar o máximo de responsabilidades os ensinamentos ainda em falta, sobretudo através do acompanhamento e experiência prática e do vêr fazer, porque se trata de uma qualidade de aprendizagem que só com o tempo pode ser adquirida. Actualmente, o desafio é a organização do tempo para permitir esses momentos de partilha que são essenciais, sobretudo quando o assunto é  vinho do Porto, porque existe uma sabedoria e um conhecimento e a necessidade de criar uma memória olfactiva e histórica para a gestão destes vinhos, em que o tempo é fundamental. 

Os recentes lagares tradicionais de granito da casa.

    Houve também uma modificação operacional, a Van Zellers & Co. passou a centrar-se numa estrutura sólida, familiar e de pequena dimensão, com uma tradição antiga, e na qualidade superior e consistência dos vinhos que produz, engarrafando apenas o que é definido como referência de qualidade. Vinhos que são uma expressão das tradições e da diversidade do Douro, com um posicionamento elevado e de referência no mundo dos vinhos, suprimindo os vinhos mais correntes de entrada de gama, dedicando-se apenas a vinhos de gama média-alta e alta, em quantidades muito limitadas, diferenciando-se da concorrência directa no sector – os engarrafamentos são limitados anualmente nas várias categorias - e sempre com uma matriz vinho do Porto + vinho D.O.C. Douro. O objectivo é atingir a estabilização da empresa e valorizar os vinhos da casa ao longo dos anos, nas vertentes valor marca e valor qualidade dos vinhos e conseguir entrar e manter uma posição num nicho de mercado mais exigente e de gama alta, que é um mercado que mantem sempre a sua dimensão.

   Assim como outros projectos futuros, como o projecto “Experiências” idealizado para rerceber os interessados em visitar e provar os vinhos ou o projecto “jantares em casa”, para grupos restritos que jantam com os responsáveis da casa, onde são apresentados menus concebidos para as várias categorias e estilos de vinhos. Existe ainda o projecto, previsto para um curto prazo, de uma casa aberta no Douro, em São João da Pesqueira para receber convidados, amigos e clientes para almoços e provas, a casa de Adorigo, já com projecto aprovado, onde existirá também, uma vinha visitável com várias castas. O que será especial é que toda a construção é sustentável, modelar, com painéis solares e um sistema de captação e reaproveitamento das águas da chuva, recolhida em depósitos especiais, para ser usada nos jardins e nas vinhas, assim como um sistema de tratamento de águas cinzentas que permite que voltem a ser usadas nas casas de banho. Um projecto auto-sustentável, complementado por um jardim aromático em estudo e concebido por uma arquitecta paisagista, com o objectivo de experimentar os aromas do vinho nas plantas, árvores de fruto, arbustos e flores.

Na adega de vinho de Porto, contígua à área de vinificação.

 4. Novos conceitos e uma nova linguagem.

    A renovação e a preparação da alteração da Van Zellers & Co. começou a ser idealizada entre 2019 e 2020, com uma nova filosofia que se traduziu numa remodelação completa da imagem, num novo design e no desenvolvimento de novos conceitos com uma nova linguagem para explicar os vinhos.

    Foi concebida uma perspectiva original e de fácil percepção para definir e explicar as famílias de vinhos e as suas diferenças, diversa das classificações das categorias de vinhos do Porto oficiais e que se propõe mostrar a modernidade deste estilo de vinho e a inovação dos vinhos D.O.C. Douro, transmitindo um modo diferente de estar no mundo do vinho e no Douro. Foi um trabalho de criatividade e de comunicação a cargo de Francisca van Zeller, em conjunto com a prima Matilde Barroso, especialista em branding e comunicação e o trabalho de Rita Rivotti (a premiada especialista em design e branding de vinhos).

    Uma nova linguagem pensada inicialmente para explicar os vinhos do Porto e depois também alargada aos vinhos DOC Douro, “com menos linguagem técnica e mais poesia”. Os vinhos são explicados de acordo com os três elementos que estão na origem da sua diversidade, dos diferentes estilos, dos aromas, sabores, texturas e complexidade. Assim:

Os vinhos criados pela natureza ou “Crafted by nature”, nos quais o elemento principal é a natureza pura que determina e define o resultado final dos vinhos. São as características originais de um lugar ou de um terroir específico e as vinhas que determinam os vinhos, a natureza faz o seu papel e a intervenção do enólogo é muito limitada. São vinhos de uma vinha única que depois vivem e evoluem em garrafa. Nos vinhos do Porto, estes são o Porto Vintage, o LBV e o Crusted e nos vinhos D.O.C. Douro, o CV tinto e CV branco.

Os vinhos criados pelo tempo ou “Crafted by time”, em que o factor definidor é o tempo. É o tempo que os faz e modifica, é o valor do tempo que molda os vinhos e a sua evolução em barricas, mais do a natureza do ano da colheita. Os vinhos mostram como o o tempo definiu o seu perfil e o que o tempo lhes acrescentou. São os vinhos do Porto Colheita ou Single Harvest, com origem numa só colheita, vindima ou ano, em que o tempo lhes conferiu profundidade e complexidade, o desenvolvimento das nuances de côr e os aromas e sabores.

Os vinhos criados pela mão do homem ou “Crafted by hand”, em que o homem representa o papel predominate na sua criação, através do seu conhecimento e experiência, exercendo um trabalho que vai permitir destacar a importância de diferentes elementos, como a localização e idade das vinhas, a variedade das castas que compõem cada vinha, e na elaboração dos lotes. Nos vinhos do Porto, assume importância a arte do master blender em que a experiência, sensibilidade e conhecimento são fundamentais para seleccionar as diferentes notas e combiná-las cuidadosamente na composição harmoniosa dos lotes finais, de acordo com o perfil pretendido. Estes vinhos são os Porto Tawny reserva e com indicação de idade 10, 20, 30, 40 e 50 anos e os D.O.C. Douro “VZ” branco e tinto, que são constituídos por um lote com origem em várias parcelas de vinhas.




5. Conhecer as vinhas onde nascem os vinhos. O factor VV, a importância das vinhas velhas, uma herança viva. A caracterização das vinhas.

“Cada vez mais me intriga a existência das Vinhas Velhas e insisto na sua preservação. Estamos apenas no início deste caminho”. “eu sou um fanático daquilo que são as vinhas do Douro tradicionais, com as castas todas misturadas, … eu gosto da surpresa, no vinho e no Douro, naquilo que faço, gosto de ser surpreendido todos os anos com o que as vinhas dão…, acho piada ao desafio permanente.”. Cristiano van Zeller

    A Van Zellers & Co. não tem uma propriedade única, antes um conjunto de pequenas parcelas de vinhas velhas dispersas pela região, com áreas que variam, aproximadamente, entre 1 e 3 hectares. Actualmente, entre vinhas próprias e arrendadas existe um património com uma área total de 15 hectares de vinha, tinta e branca, que são a origem dos vinhos da casa. A área própria de vinhas é constituída por 8 hectares e com a vinha arrendada atingem um total de cerca de 15 hectares – 14 hectares de vinhas tintas e 1 hectare de vinha branca. Com excepção da vinha das Silvas (a vinha do CV) que já existia, todas as vinhas foram adquiridas nesta nova fase da empresa. São compradas uvas brancas e tintas a diferentes lavradores com pequenas vinhas, que são 6 no total – a maior vinha tem 1,5ha – que também estão localizadas em diferentes áreas da região, e com quem Cristiano van Zeller mantém boas relações, um dos quais já desde o tempo da Quinta Vale D. Maria.

    É um património de vinhas diversificado e espalhado por diferentes áreas do Douro e em alguns casos é necessário ir longe para vindimar, desde o vale do rio Torto ao vale do Pinhão e a Murça. São vinhas em diferentes terroirs, com localizações e exposições diversificadas, a baixa altitude e em altitude. Este mosaico de vinhas permite não estar sujeito a uma localização e ter acesso a uma ampla possibilidade de escolhas para as produções a fazer em cada ano, ao mesmo tempo que são uma protecção ou garantia contra eventuais problemas que surjam durante o ano vitícola, como secas, excesso de chuvas, vagas de frio ou calor, etc.

O factor VV, a importância das vinhas velhas.

    A Van Zellers & Co. tem um compromisso com a protecção e a preservação das vinhas velhas tradicionais do Douro, que são um valioso património ampelográfico e constituem a grande originalidade e vantagem da região, são vinhas únicas e irrepetíveis, que revelam uma mistura complexa de diversas castas tradicionais ou nativas.

    O objectivo é conservar, valorizar e manter por muitos mais anos estas vinhas velhas, não só como elemento estético e paisagístico, mas, principalmente pela biodiversidade que representa a riqueza de castas plantadas e o repositório genético que constituem. São vinhas que contam uma história, de como foi plantada num determinado local, de um antigo estilo de plantação com uma elevada densidade e uma mistura aleatória de castas autóctones, uma combinação de diversidade e equilíbrio, que dão origem a algo único, que é também o seu caractér e personalidade.

    Não são vinhas mecanizáveis e a maioria das práticas culturais realizadas na vinha são manuais, feitas segundo a mão do homem e antigas tradições e com o recurso à tracção animal para trabalhar a terra, que é uma operação que exige muito esforço, mas que torna estas vinhas ainda mais especiais. Foram todos estes trabalhos e todos os cuidamos ao longo dos anos que permitiram conservá-las durante tanto tempo e que chegassem aos nossos dias.

    Estas vinhas estão também, naturalmente preparadas para resistir às alterações climáticas, estão melhor adaptadas ao clima da região e as diferentes variedades misturadas são um factor diferenciador, por isso, se todos estes elementos estiverem equilibrados necessitam de menos tratamentos.

    Apesar da baixa produtividade de cada videira, este lote da terra é fundamental porque a mistura acontece na vinha onde existe uma maturação mais homogénea das uvas, que permite que a colheita ocorra em simultâneo e que os equilíbrios e a complementaridade de castas transmitam ao vinho uma complexidade e uma concentração acrescidas que estão na origem de grandes vinhos do Porto e D.O.C. Douro com uma grande capacidade de envelhecimento.

A conservação das vinhas. Para preservar a imprescindível diversidade de castas que existia originalmente nas vinhas velhas, a densidade da plantação, a sua grande biodiversidade e o equilíbrio deste património genético, possibilitando uma vida saudável e longa, é essêncial um cuidado acrescido quando surge a necessidade de replantar para a reposição das falhas determinadas pelo declínio das videiras muito velhas, para manter a autenticidade das castas originais. Esta tem sido uma prática contínua e permanente e a norma de recuperação das vinhas passa pelo processo original de plantação e pela selecção de porta-enxertos cuidadosamente escolhidos em cada caso, para resistirem num meio rodeado de vinhas velhas que é muito exigente pela competição entre as plantas. Até agora as replantações de falhas não têm sido realizadas em função das castas específicas que existiam nos locais, mas utilizando, na altura da enxertia, castas de qualidade que se tem confirmado encontrarem-se na vinha.

A identificação do património genético das vinhas velhas. Está planeado o início do levantamento ampelográfico total da vinha das Silvas já no próximo ano agrícola, para a identificação das castas existentes e o completo conhecimento da vinha, e assim replicar exactamente a variedade de castas originais com o próprio material genético e as variedades que se encontram em cada uma das vinhas, mantendo a genuinidade da plantação e a diversidade original existente. Evidentemente que será sempre um processo difícil, demorado e dispendioso, mas sobretudo especializado, uma vez que existem poucas pessoas na região com este tipo de conhecimento.

Old Vine Conference. Desde Novembro 2023, que a Van Zellers & Co. é membro da Old Vine Conference, a entidade que evoluiu a partir do Old Vine Regestry (criada por Sarah Abbott, MW) e que tem como objectivo divulgar informação e valorizar as vinhas velhas de todo o mundo, através de um programa de adesão, conferências e visitas ás diferentes regiões vinícolas.

As vinhas onde nascem os vinhos - é essencial conhecer as vinhas e o seu contexto natural e geográfico para conhecer completamente os vinhos.

A caraterização das vinhas.

A vinha das Silvas ou a vinha do CV (tem como data de registo: 1943) é uma vinha velha tradicional do Douro, com mais de 80 anos de idade, com uma área de cerca de 3 hectares, localizada bem no interior do vale do Rio Torto, um dos afluentes do Douro, na margem esquerda ou sul deste rio, numa zona de difícil acesso, a uma altitude de 250 metros e com uma exposição a norte, noroeste e este, muito diferente do que era a tradição na região e neste vale.  Está rodeada por um olival centenário e é constituída por mais de 20 castas autóctones misturadas, mas, pelo que já foi possível identificar até agora, com muita Touriga Francesa. É uma vinha relativamente à qual houve desde o início um grande entusiasmo e expectativa. A primeira vindima foi em 2003 e Cristiano van Zeller, juntamente com Sandra Tavares da Silva (à época enóloga na Quinta vale D. Maria), ao vindimar decidiu fermentar as uvas desta parcela separadamente e, depois do estágio, o resultado foi a confirmação de uma vinha diferente e distintiva e um vinho com um perfil especial e muita estrutura. Havia também um historial da vinha quando estava nas mãos do antigo proprietário, que ajudou a perceber o que a vinha representava. Foi assim que surgiu o primeiro vinho CV-Curriculum Vitae.  A vinha seria adquirida por Cristiano van Zeller nesse mesmo ano.

Vinha das Silvas, Vale do rio Torto. (Van Zellers & Co.)
A vinha de Valença do Douro: É uma vinha com uma área de 3,7 hectares a uma altitude entre os 450 e 490m, com uma idade aproximada de mais de 25 anos, constituída por um field-blend de mais de 20 castas tradicionais do Douro. Esta vinha é delimitada por um pequeno caminho em pedra, que conduz ao topo da colina de Valença do Douro, por cima da Quinta do Seixo, está plantada numa encosta suave voltada para o Pinhão. Os ventos sopram pelas vinhas durante todo o ano, dando lugar a um desenvolvimento equilibrado e saudável das uvas. A exposição solar predominante a norte e leste permite maturações mais prolongadas. Cerca de metade da produção desta vinha é utilizada no lote dos vinhos do Porto da casa.

A vinha da Alampassa (data de registo: 1988). Esta parcela de 1,85 hectares está voltada para a vinha das Silvas, no vale do rio Torto, tem uma exposição solar a leste, a uma altitude aproximada de 200m. É constituída por uma plantação mista de quatro castas tintas tradicionais da região: Touriga Nacional, Tinta Roriz, Touriga Francesa e Tinta Barroca. Nos melhores anos constituí a base dos vinhos do Porto vintage da casa.

Vinha de Casal de Loivos. É constituída por 6 pequenas parcelas de vinhas, com uma área total de 3,9 hectares, próximas da aldeia de Casal de Loivos, acima do Pinhão, geridas pela Van Zellers & Co. e propriedade do Sr. Bartolomeu, um antigo funcionário da Quinta do Noval que trabalhou com Cristiano van Zeller durante treze anos. Com uma idade aproximada de 40 anos, estão localizadas a uma altitude entre os 270 e os 420 metros, com uma exposição predominante a sul e são constituídas por cerca de 10 variedades de castas tintas, mas com predominância de Touriga Francesa. 

Vinha da Fonte da Gafa. É uma pequena vinha velha com cerca de 80 anos de idade e com uma área de 0,97 hectares, localizada a norte do Douro, no território de Murça, próximo da vila de Martim, conhecida na região pelas vinhas velhas de castas brancas, a uma altitude média de cerca de 480 metros e com uma exposição a norte, numa zona de transição do xisto para o granito. É composta por um conjunto de diversas castas brancas misturadas, um field-blend com cerca de 10 variedades. Uma vinha especial num local privilegiado, onde as uvas amadurecem lentamente mantendo sempre a frescura e o equilíbrio mesmo em anos quentes e difíceis. Sobretudo ao longo dos últimos dez anos foi realizado um trabalho de viticultura nesta parcela que permitiu um rejuvenescimento da vinha e a melhoria da qualidade de produção. O potencial desta vinha já era conhecido de Cristiano van Zeller, desde os tempos da Quinta do Noval, que adquiria uvas desta parcela já desde 1947 e, ao longo do tempo foi conhecendo cada vez melhor a sua qualidade. Está na origem do vinho D.O.C. Douro CV Curriculum Vitae branco. A primeira colheita realizada para a Van Zellers & Co. foi em 2013.

Para além das vinhas descritas, todos os anos são também compradas uvas a pequenos viticultores da região, conhecidos de longa data da casa.

Vinha de Valença do Douro (Van Zellers & Co.)

 6. A viticultura. Preservação e sustentabilidade. As técnicas tradicionais. A curetagem. 

    O compromisso com o terroir, a natureza e a sustentabilidade. O grande princípio orientador do modelo de viticultura praticado na Van Zellers & Co., mais do que a sustentabilidade, é uma viticultura regenerativa, de longo prazo, assegurando a longevidade das vinhas e o futuro. Actualmente, o principal objectivo do trabalho nas vinhas é a regeneração dos solos que, no Douro em geral, sofreram muito com as práticas adoptadas nos anos 70 e 80 do séc. XX, com a utilização de herbicidas e pesticidas prejudiciais para o ambiente, evitando métodos agressivos, a utilização de produtos quimícos e as perturbações biológicas, invertendo essa degradação e cuidando do equilíbrio dos solos e das vinhas que dão origem à matéria prima do vinho e ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais global, protegendo o meio natural.

Trabalhar com a natureza e com a vinha. O propósito é reduzir o impacto ambiental, restaurar e conservar a biodiversidade e a saúde dos solos e valorizar o património vitivinicola, procurando respeitar o equilíbrio do meio ambiente. Para garantir o sucesso deste modelo de agricultura regenerativa, é necessário, antes de mais, criar e assegurar as condições necessárias para um sistema funcional para que a flora autóctone se desenvolva e prospere, recuperando a diversidade botânica e enriquecendo a biodiversidade do ecossistema, mantendo os solos vivos, saudáveis e resistentes, que são condições essenciais para a preservação da paisagem e da natureza envolvente, mantendo as características específicas dos diversos terroirs.

O solo é a base de tudo. O investimento na redução progressiva do impacto da viticultura e em destacar o ecossistema e o seu equlibrio biológico, a regeneração e a diversidade – diversidade é aqui o “mote” - da flora e da fauna dos terrenos onde as vinhas estão plantadas. A flora adequada à gestão da vinha, favorecendo as espécies autóctones dos cobertos vegetais espontâneos que é complementado com enrelvamentos cultivados directamente no solo (semeando por exp., trevos, aveia, rabanetes, mostardas), cujo ciclo de floração coincida com o ciclo de floração da videira, para atrair os insectos auxiliares, que por sua vez ajudam a combater as pragas e as doenças da vinha. As vinhas acabam por beneficiar dos serviços que o próprio ecossistema cria.

    A cobertura vegetal do solo é gerida e mantida o maior tempo possível durante o ano, para que sejam habitats ricos em micro-organismos e favoreçam o aparecimento de outros microssistemas que sejam o suporte de toda a actividade microbiana, que ajuda a manter os solos vivos e protegidos. As diferentes mobilizações do solo realizadas ao longo do ano, a “cava” logo a seguir à poda que revolve a terra em profundidade, arrancando as ervas, permitindo que receba mais nutrientes e uma maior retenção da água das chuvas. Depois a “redra”, entre Maio e Julho, com a finalidade de oxigenar, quebrar a capilaridade dos solos evitando que a humidade do solo evapore e eliminar ervas e evitar a evaporação do terreno, expondo um novo solo que estava coberto. Estas operações de aragem e mobilização dos solos recuperaram um método antigo, utilizando a charrua vinhateira e a tracção animal. São operações que, para além da oxigenarem o solo, enriquecem a composição dos terrenos incorporando as coberturas vegetais que se convertem em matéria orgânica disponibilizando nutrientes importantes, garantem ainda o controlo de infestantes sem o recurso a métodos agressivos.

   Este sistema tem o grande benefício de regenerar e beneficiar os solos, melhorar os elementos físicos, químicos e biológicos, reforçar a sua estrutura, criando uma maior capacidade de retenção de humidade e um aumento da disponibilidade hídrica durante os períodos mais quentes do ano, uma maior capacidade de resistência aos processos de erosão e a promoção de todo o meio ambiente existente à volta da vinha e consequentemente a biodiversidade daquele local específico e do Douro.

   O modelo de viticultura é diverso do convencional e as operações culturais realizadas ao longo dos anos transformam as vinhas e representam uma valorização deste património, sobretudo as mais antigas, com resultados visíveis nas parcelas onde estas práticas agroecológicas são seguidas.

As técnicas tradicionais de viticultura, como se fazia antigamente.

    As metodologias de intervenção no solo constituem um trabalho bastante complexo, que tem vindo a ser realizado há anos, mas com registos formalizados desde 2021. O modelo regenerativo seguido implica em grande medida voltar às raízes da viticultura com recurso a práticas culturais tradicionais e sustentáveis (anteriores aos anos 70 e 80 do século passado) – é “ir ao passado para construir o futuro” - e o mérito está em adaptar os conhecimentos da viticultura moderna a este tipo de conhecimento empírico tradicional, não documentado, a práticas ancestrais da viticultura, a maioria das quais transmitidas geracionalmente, onde estas se revelem importantes e com a finalidade de conseguir uma viticultura melhor adaptada às vinhas e à região – são estes os elementos imateriais que fazem a paisagem vitícola do Douro. Este tipo de viticultura tradicional, que exige uma grande dedicação e em que o trabalho é essencialmente manual, é muitas vezes um conhecimento prático valioso, volta-se ao que se fazia bem na reestruturação dos solos e como estas práticas vão enriquecendo a vinha. A tradição e a inovação para a preservação da natureza das vinhas velhas.

    A este propósito, como curiosidade, Luís Cardoso de Menezes, o especialista em viticultura e sustentabilidade da Van Zellers & Co. refere que, sempre que vê um cavalo nas vinhas da região pára para conversar com o dono, porque com certeza vai aprender com esse homem sobre os cuidados com o solo e é este tipo de conhecimento não necessariamente testado, uma aprendizagem com quem vive e trabalha na terra há gerações, que foi praticado durante muitos anos a que se está a voltar já há algum tempo. Estas técnicas tradicionais antigas ganham vida quando, como referimos, nas parcelas de vinhas velhas do Douro, se recorre aos cavalos de tracção para trabalhar a terra, (para as operações culturais que acompanham o ciclo da vinha, a cava, descava e redra), por ser uma prática sustentável e que melhor se adapta às vinhas velhas, é mais delicada por não compactar tanto a terra (o impacto dos cascos é mais suave), o contribui também para o equilibrio do solo.

    Na vinha das Silvas, foram instaladas recentemente as primeiras colmeias móveis e as condições seguras para o trabalho de polinização realizado pelas abelhas, que tem um impacto enorme na natureza envolvente e permite que o ecossistema se desenvolva, floresça e prospere. Para além disso produzem mel, uma outra tradição antiga das quintas durienses e também familiar (foi outro Cristiano van Zeller, pioneiro da moderna apicultura mobilista no norte do país e proprietário da Quinta do Roriz na década de 90 do séc. XIX, que instalou o primeiro apiário com colmeias de quadros móveis).

A curetagem.  A utilização desta técnica para a preservação da natureza das vinhas velhas, é um trabalho adicional, de muito detalhe, que aproveita os trabalhos da época da poda e que, por enquanto, apenas foi posto em prática na vinha das Silvas ou vinha do CV, que está neste momento quase concluída. Pretende-se alargar a outras vinha. Consiste num processo, que é mais comum em França, destinado a preservar a saúde da videira, para extrair patologias da madeira do tronco e dos ramos mais grossos, afectada por doenças do complexo do lenho, mas também para evitar os meios propícios à propagação de fungos e insectos nocivos para a videira, de forma a preservar a saúde para que ela se mantenha viva. No fundo, trata-se de retirar a parte afectada para que a doença não se prolongue e a videira tenha o seu trajecto de vida normal. Nas videiras antigas faz-se esta espécie de curetagem que é limpar, limar toda a parte morta da planta para retirar todos os agentes que podem contribuir para o aparecimento de necroses e abrigos para infecções, por isso, quando se consegue parar a podridão ou os factores de apodrecimento, consegue-se um estímulo que melhora a vascularização da planta. É uma operação que altera a fisionomia das videiras. Os resultados estão actualmente a ser testados e poderá ter consequências num ligeiro aumento da produção e certamente no aumento da longevidade da videira, que parece que ganha uma nova vida. Em suma, é uma intervenção que melhora o vigor e a resistência, contribui para a saúde da planta e dá-lhe os meios necessários para sobreviver no meio ambiente.

    Para pôr em prática esta técnica, foi preciso encontrar o utensílio de trabalho adequado e descobriu-se que o gancho utilizado para limpar os cascos dos cavalos tinha a forma curva que melhor se adaptava aos troncos e ramos da videira.

    Outro método preventivo em prática é a utilização de produtos biológicos nos tratamentos das vinhas para proteger as folhas das videiras e os cachos do excesso de calor. Na vinha das Silvas, no verão, utiliza-se um produto completamente natural para proteger as vinhas do calor e excesso de exposição solar, no que é também um método alternativo e complementar para fazer face às alterações climáticas.

 A sustentabilidade compreende também a gestão eficiente da disponibilidade hídrica e conservação da água que é um recurso fundamental. A estratégia seguida para a conservação e optimização do uso da água e para fazer face à escassez deste recurso e às cada vez mais frequentes ondas de calor na região, para além das técnicas que contribuem para a fixação de água no solo, a Van Zellers & Co. tem um sistema em prática, que recolhe a água da chuva em tanques localizados em pequenas cabanas no topo da vinha, para depois a fazer chegar à videiras e que é utilizada nos trabalhos de viticultura, como os tratamentos contra o míldio com sulfuroso, em que é usada apenas a água da chuva. Ao mesmo tempo, o funcionamento das bombas de água que retiram a água dos tanques e poços que armazenam a água da chuva é assegurado pela energia gerada através de painéis fotovoltaicos

(continua depois... com:)

Parte II.

  1. A vinificação, o êxito dos métodos tradicionais.
  2. Os vinhos que contam histórias. Os Vinhos do Porto. Os vinhos D.O.C. Douro.
  3. Os mercados. Volume de negócios e exportação.
  4. As reflexões sobre o futuro.
A adega de vinhos D.O.C., em São João de Pesqueira.

Texto e fotografias © Hugo Sousa Machado

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