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segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Wine & Soul, Pintas e Quinta da Manoella, no vale do rio Pinhão (I)

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 Resumo:

Parte I.

  1. Um projecto independente e um assunto de família. 
  2. Os protagonistas e o "novo Douro". Tradição e modernidade.
  3. O início, no princípio era a vinha... onde tudo começou, a vinha "Pintas".
  4. Vale de Mendiz, o quartel-general e o centro de actividade da Wine & Soul no vale do Pinhão.
  5. O espírito da casa. O fascínio pelas vinhas velhas, em busca das vinhas perfeitas num terroir especial, o potencial do vale do Pinhão. A vinha antes do vinho.  
  6. A vinha velha "Pintas". A vinha emblemática da casa: a caracterização da vinha. O mapeamento.
  7. As outras vinhas da Wine & Soul. Um puzzle de vinhas.
  8. A Quinta da Manoella. A memória, algumas referências históricas. Descrição. As várias "Manoellas"...
  9. A vinha centenária da Quinta da Manoella, o sentido do lugar. A caracterização da vinha. O trabalho na vinha. O estudo e a preservação da vinha. As outras vinhas da Quinta da Manoella.
  10. A natureza e a importância da biodiversidade.
Parte II.
  1. Depois das vinhas, o vinho. Vinificadores de vinhas, a identidade dos vinhos da Wine & Soul. A vinificação.
  2. Os mercados e a exportação.
  3. Conhecer os vinhos. Os vinhos D.O.C. Douro.
  4. A indispensável atenção aos vinhos do Porto. A tabela Pintas Porto vintage.
  5. O azeite.

Parte I.

1. Um projecto independente e um assunto de família.

    A Wine & Soul é um pequeno produtor do Douro, de Vale de Mendiz, no vale do rio Pinhão. É uma empresa familiar e independente que acaba de comemorar os primeiros 20 anos de actividade e que é actualmente um produtor de referência na região do Douro e no país. Acabou por se tornar um exemplo, com uma filosofia e uma identidade muito próprias que orientam toda a sua actividade para a produção de vinhos especiais de qualidade superior, vinhos com "alma", e com uma capacidade paradigmática de conjugar um perfeito sentido de modernidade com o respeito pelas tradições e saberes antigos genuínos da região duriense.

    Podemos definir o seu grande princípio orientador, que está na sua génese, o respeito da longa tradição vitivinícola do vale do Douro e pelo terroir duriense, em conjugação com os actuais conhecimentos técnicos e a responsabilidade por cuidar deste património para as gerações futuras. Nas palavras de Sandra Tavares da Silva:

"Respeitar a terra, os valores a as tradições antigas e fazer vinho de terroir, com grande potencial de envelhecimento. Hoje somos mais experientes, percebemos melhor as vinhas, o que ajuda, mas o mais importante é a paixão, e essa é igual desde o início."

A povoação de Vale de Mendiz, vale do Pinhão.

    O início foi há vinte anos atrás, com a primeira vindima em 2001, que marcou o surgimento e o início da Wine & Soul, com um sonho e o estimulante desafio a que o casal de enólogos Sandra Tavares da Silva (STS) e Jorge Serôdio Borges (JSB) se propuseram. Essa vontade e motivação inicial foi fazer em conjunto apenas um vinho, mas um vinho tinto clássico do Douro, de qualidade superior, um vinho perfeito entre os melhores da região, como produtores independentes, i.e., sem depender de ninguém nas decisões a tomar, de poder fazer experiências por sua conta e risco, unicamente com os seus próprios meios, de aprender mais
rapidamente com um projecto próprio. Um desígnio inicial que os tem acompanhado e em permanente e consistente evolução.

    E assim foi, ambos com origem em famílias ligadas ao vinho, tinham já bastante experiência na região e em diferentes casas produtoras importantes, começaram em 2001 com a compra de uvas que tinham origem em vinhas velhas seleccionadas em diferentes locais do famoso vale do rio Pinhão, um vale historicamente famoso na região vinhateira do Douro, pela qualidade dos vinhos do Porto vintage a que deu e dá origem. Uma dessas vinhas especiais viria a ser adquirida mais tarde pela casa, como em seguida daremos conta.

2. Os protagonistas e o "novo Douro". Tradição e modernidade.

    Os protagonistas desta história integram uma nova geração de enólogos que chegou ao Douro e que foi e continua a ser responsável por uma revolução, uma grande transformação na história recente da região demarcada do Douro que se iniciou nos anos 90 do séc. XX. O "new Douro" ou a geração "novo Douro", uma geração de enólogos que deu a conhecer ao mundo os vinhos do Douro, que promoveu a renovação e o renascimento da região, que trouxe novos conhecimentos técnicos, experiência, modernidade e desenvolvimento. Enólogos e produtores viajados, com horizontes mais alargados e com novas perspectivas da tradição e do passado da região. 2001 foi também o ano em que o Douro, verdadeiramente, começou a renascer, com o aparecimento de muitos novos projectos dedicados à produção de vinhos do Douro, criados de raíz, em várias quintas e também produtores mais pequenos. Vinhos do Douro que até então eram um produto marginal em relação à grande produção principal de vinho do Porto. Foi, sem dúvida, um momento marcante na história recente da região demarcada do Douro, um desafio assente no grande desenvolvimento técnico e tecnológico e na inovação, com a partilha de conhecimento, a união e a entreajuda dos produtores, que permitiu fazer melhores vinhos todos os anos, a sua promoção e internacionalização, que foram e são elementos vitais para o ressurgimento da região e determinantes para o actual grande sucesso dos vinhos de mesa tranquilos D.O.C. Douro.

    Por sua vez, a região vinhateira oferece a esta nova geração de enólogos e produtores, uma extraordinária diversidade e um imenso conjunto de características muito diversas para descobrir e explorar, aprender e criar, que são únicas e não se encontram em nenhuma outra região do mundo.

    A Wine & Soul é um desses projectos, um caso de sucesso que demonstrou o enorme potencial e capacidade do Douro para produzir vinhos Douro D.O.C..

"O Douro tem originalidade, identidade, uvas e características que mais ninguém tem". "...tem um enorme potencial para vinhos de mesa e há ainda muito para descobrir na região - estamos apenas a conhecer levemente o potencial do Douro e o melhor ainda está para vir." (JSB)

A adega da Wine & Soul, a parede mais fotografada em Vale de Mendiz.

    Sandra Tavares da Silva (STS) estudou agronomia no Instituto Superior de Agronomia em Lisboa, onde realizou um mestrado em agricultura, aprofundando depois a vertente de enologia com um mestrado nesta área em Piacenza, Itália. A partir de 1999, já no Douro, estagiou e foi responsável pela enologia na Quinta Vale D. Maria, com Cristiano Van Zeller, onde conheceu Jorge Serôdio Borges. Desde 2000 é responsável pelos vinhos da família, na Quinta da Chocapalha, propriedade da família Tavares da Silva, em Alenquer, na região de Lisboa. É também a enóloga responsável pelos vinhos da Quinta de Foz Torto, no Douro e produz os vinhos "Crochet" (D.O.C. Douro) e "Tricot" (regional Alentejano), com a amiga e enóloga Susana Esteban, na parceria Esteban & Tavares. Mais recentemente, em Dezembro de 2020, foi considerada uma das melhores enólogas a nível mundial pela jornalista e crítica de vinhos britânica Jancis Robinson, na sua coluna semanal no Finantial Times. Eleita a enóloga do ano em 2021 pela revista "Vinhos Grandes Escolhas". Em 2023 foi considerada pelo Finantial Times, uma das melhores enólogas do mundo.

e

    Jorge Serôdio Borges (JSB), que representa a 5.ª geração de uma família com uma longa tradição na região do Douro e na produção de vinho do Porto. O avô materno foi enólogo da Real Companhia Velha e o avô paterno foi proprietário de várias quintas no Douro e um dos maiores produtores privados de vinho do Porto (foi o principal fornecedor da Churchill's quando esta empresa foi criada em 1981 e até 1999) e cujo negócio era a produção de vinho do Porto com as uvas das suas quintas, que depois de envelhecido era vendido a granel às grandes casas exportadoras inglesas.

Ainda durante o curso de enologia, colaborava em projectos familiares, na Quinta do Fojo e na Quinta da Manuela, no vale do rio Pinhão. Para adquirir experiência, em 1999 continuou o seu percurso profissional com Dirk Niepoort, na produção de vinhos do Porto e vinhos D.O.C. Douro. Iniciou a sua colaboração com a Quinta do Passadouro, com a qual Dirk Niepoort estava associado e ainda em 1999, tornou-se o responsável de viticultura e enologia e depois Director na Quinta do Passadouro, até Agosto de 2019, data em que esta quinta foi adquirida pela "Axa Millésimes", proprietária da Quinta do Noval, também em Vale de Mendiz. É o enólogo responsável da Quinta da Maritávora, no Douro Superior. Produz ainda, na região do Dão, os vinhos M.O.B. (Moreira, Olazabal e Borges), em parceria com os amigos e enólogos do Douro, Francisco Olazabal e Jorge Moreira. Foi considerado o enólogo do ano em 2008, 2011 e 2016 (pela Revista de Vinhos).

    Sandra e Jorge conheceram-se no Douro durante a vindima de 1999, na Quinta Vale D. Maria, e dois anos depois davam início a este projecto de vida num território que passou a ser comum.

3. O início, no princípio era a vinha...

Onde tudo começou, a vinha "Pintas".

    Quando, ainda antes de 2001, JSB e STS tomaram a decisão de produzir em conjunto um vinho do Douro, a primeira dificuldade foi encontrar a vinha ideal que cumprisse os requisitos indispensáveis que tinham definido. Foi numa zona de vinhas velhas no vale do Pinhão, na sub-região do Cima Corgo, no coração de uma zona histórica do Douro, famosa pela produção de grandes vinhos do Porto, que começaram a procura e depois a comprar uvas de parcelas específicas de vinhas velhas, a um produtor local. Eram uvas de grande concentração que, até aquela data, se destinavam a fornecer as grandes casas de vinho do Porto, que eram as compradoras.

    A escolha de vinhas nesta área particular do Douro compreende-se melhor por ser um local que JSB conhece muito bem desde toda a sua vida, com vinhas tradicionais e com boas localizações e exposições que asseguram o necessário equilíbrio, acidez e textura aos vinhos.

    Dois anos mais tarde, em 2003, acabariam por comprar uma dessas vinhas, uma parcela de vinha velha especial, com uma grande diversidade de castas autóctones, que mais tarde seria rebaptizada de "Pintas" e que se tornou numa vinha de referência da Wine & Soul.

     Desde esta fase inicial, têm adquirido outras vinhas ou parcelas de vinha em diferentes pontos do mesmo vale do Pinhão, e desde então dedicam-se a explorar, descobrir e investir (para depois, muito justamente nos dar a conhecer) no enorme potencial das vinhas velhas tradicionais deste vale e nos "field-blends" ou lotes da terra com as variedades de castas nativas do Douro e depois numa aposta em vinhos de pormenor e de grande qualidade.

4. Vale de Mendiz, o quartel-general e o centro de actividade da Wine & Soul no vale do Pinhão.

    Depois daquela primeira vinha, e com a finalidade de ter o controlo de todo o processo de produção dos seus vinhos, da viticultura à enologia, seria necessário ter instalações próprias para ser obrigado a recorrer a terceiros para a vinificação dos vinhos. Ainda nesses primeiros anos, a Wine & Soul adquiriu também um velho armazém de vinho do Porto, que tinha pertencido a familiares de JSB e que estava abandonado há cerca de 60 anos, localizado mesmo no centro da típica povoação vinhateira de Vale de Mendiz, no mesmo vale do rio Pinhão, a cerca de 6km. a montante da vila do Pinhão, o centro geográfico da região demarcada do Douro. Nessa altura, tratava-se de pouco mais do que uma ruína de uma adega, com o telhado a caír e muitos atrasos na reconstrução. Com a data da vindima marcada ainda não havia telhado a cobrir a casa dos lagares e no dia da colheita, a armação de madeira que sustenta o telhado estava construída mais ainda sem a cobertura de telhas. 

Vista sobre o vale do Pinhão, a partir do centro de visitas da Wine & Soul em Vale de Mendiz.

    Actualmente, este edifício com paredes de pedra pintadas de branco, marca e destaca-se no centro da vila e constituí o centro de operações da casa, onde funcionam as instalações vinárias e a a primeira adega e que, ao longo dos anos tem vindo a ser cuidadosamente recuperado, renovado e alargado, integrando hoje a adega dos vinhos D.O.C. Douro - com as condições ideais asseguradas e as temperaturas controladas nos espaços destinados ao estágio dos vinhos, através de um sistema de climatização com água refrigerada (a adega dos vinhos do Porto está situada mais a montante no vale, no edifício principal da Quinta da Manoella) - o centro de vinificação, a casa dos lagares com os antigos lagares tradicionais de granito, a área administrativa e escritórios e mais recentemente, um espaço para a recepção de visitantes (o enoturismo da Wine & Soul), inaugurado em Julho de 2019, após a adequada recuperação para a adequação do espaço do 1.º piso do edifício contíguo à adega, com um terraço e uma localização privilegiada sobre vale.

    Em 2019, a Wine & Soul adquiriu o edifício de uma antiga azenha de produção de azeite em Vale de mendiz, junto à estrada que leva ao rio Pinhão, que transformou numa nova adega complementar à adega original, para a vinificação dos vinhos da Quinta da Manoella, que permite a vinificação da totalidade das uvas desta propriedade, o que até àquela data não era possível apenas com a capacidade da adega original

    Em Vila Real, no "Régia Douro Park" localiza-se o armazém da Wine & Soul, onde se procede aos processos finais de rotulagem e ao armazenamento dos vinhos engarrados com destino à distribuição nacional e à exportação.

A entrada para a adega dos vinhos D.O.C. do antigo armazém da Wine & Soul em Vale de Mendiz.

5. O espírito da casa...

O fascínio pelas vinhas velhas. Em busca das vinhas perfeitas num terroir especial. O potencial do vale do Pinhão.

    Retomando aqui o anterior ponto 3., como referimos, a Wine & Soul adquiriu a sua primeira vinha em 2003, depois denominada "Pintas", uma vinha velha especial, na margem esquerda do rio Pinhão, assim como os terrenos onde esta vinha se integrava, com uma área total de 2,5 hectares.

    A partir de 2005 e nos anos que se seguiram, revelou-se uma vocação irreprimível, uma constate dedicação pela procura de vinhas velhas no vale do Pinhão (e também noutras áreas da região), pela identificação, recuperação e preservação deste património cultural, genético e paisagístico que constitui um recurso único de diferenciação e qualidade, investindo assim no potencial destes vinhedos históricos, pequenas parcelas de vinhas tradicionais que são os "pequenos tesouros" deste vale e os testemunhos vivos do passado da região. É um trabalho de resgate de vinhas excepcionais e com características muito próprias, em que a originalidade e a concentração são os seus principais valores e que depois vamos encontrar nos vinhos que originam. Estas vinhas são a alma dos vinhos da casa. São vinhas que representam o que a região vinhateira, e este vale em particular, tem de melhor, especial e único, uma longa tradição de castas autóctones misturadas na vinha e que constituem um património que deve ser preservado, uma "lição de arquitectura paisagística".

Vinha "Pintas" (I).
 

A(s) vinha(s) antes do vinho.

    Antes de tudo, as vinhas, tudo tem início nas vinhas e todo o trabalho parte da vinha que são a prioridade e verdadeiramente o "espírito" da casa e o elemento diferenciador, através da valorização da originalidade das vinhas velhas e da sua importância histórica, cultural, ambiental e paisagística. Perfeitamente adaptadas, estas vinhas traduzem antes de mais a expressão do local onde nascem, do terroir, do carácter do lugar, do solo e do clima, da topografia, da altitude e da exposição solar, da paisagem e da biodiversidade existente. O papel do produtor ou enólogo será sempre potenciar esta expressão das vinhas, do terroir e depois, dos vinhos. E os vinhos das boas vinhas velhas conseguem sempre demonstrar aquelas características do terroir, independentemente do ano vitícola.

     O que é interessante com este trabalho realizado nas vinhas velhas é a complementaridade e harmonia que existe entre cada casta e o lote final que é único, que não pode ser reproduzido noutro lugar e noutra vinha, e que vão reflectir a identidade da origem, do sítio, da sua proveniência específica.

    Indissociável destas vinhas tradicionais é o respeito pelo conhecimento empírico, baseado na experiência de muitos anos e gerações, que esteve na sua origem e depois a responsabilidade pela preservação de todas estas virtudes com o objectivo de cuidar deste legado para a próxima geração, confiando as vinhas em melhor condição do que aquela em que se encontravam.

    Outro factor fundamental é a experiência e o conhecimento que vai sendo adquirido com o passar dos anos, especialmente na viticultura, não só da composição das vinhas e de cada parcela de vinha, mas também do seu comportamento e avaliação da sua consistência ao longo de várias vindimas, que se vai sucessivamente consolidando e que é fundamental para tomar decisões nos momentos certos.

    Outro elemento importante é a opção pelo tipo de viticultura que vai ser praticada, que começou por ser sustentada e agora é uma viticultura orgânica, sem o recurso a herbicidas ou pesticidas nos tratamentos da vinha, preservando o equilíbrio natural, os solos saudáveis e a biodiversidade local e as relações de interdependência de plantas e animais.

6. A vinha velha "Pintas". A vinha emblemática da casa.

A caracterização da vinha.


Vinha "Pintas" (II).

    Como mencionamos atrás, esta foi a primeira vinha da Wine & Soul, trata-se de uma parcela única de vinha velha. Nesta nova fase, com a primeira vindima em 2001 e depois a aquisição definitiva em 2003, uma vinha que era conhecida como a parcela do "Chão do Seixo" e depois rebaptizada "Pintas" (à época era o nome do pointer inglês do casal, que deu origem à designação da vinha e depois do vinho). Mas o nome da vinha assume outro sentido quando as cores mudam nas grandes paisagens outonais do Douro, em que as diversas castas que a compõem exibem uma riquíssima e deslumbrante variedade de cores que denuncia as suas diferenças, em que a paisagem muda com uma imensa profusão de tons, verdes, castanhos, avermelhados, amarelos, castanhos e ocres. 

    A vinha "Pintas" é uma vinha histórica, muito velha, tradicional do Douro, que foi plantada no primeiro quartel do séc. XX, aproximadamente em 1930, actualmente com cerca de 90 anos de idade. Com uma área total de 2,5 hectares e uma altitude média de 341 metros, entre os 250 metros no seu ponto mais próximo do rio Pinhão e atinge uma altitude próxima dos 400 metros no ponto mais alto mais acima na encosta. Tem uma boa, ampla e uniforme exposição solar a sul e a poente (sudoeste), recebe mais horas de sol, sem sombra, mas com uma localização que permite um bom arejamento da vinha, o que tem uma influência directa nas maturações mais lentas e homogéneas. Algum eventual excesso de sol é compensado com a frescura que traz a proximidade do rio Pinhão e com o controlo da folhagem das videiras.

    O terreno em que está plantada é caracteristicamente xistoso, num solo muito pobre, pouco profundo e com muita rocha. Está implantada em socalcos pós-filoxéricos, em terraços largos e com as características gerais deste tipo de armação histórica do terreno, em que o solo e as vinhas são sustentados por muros mais largos de pedra posta e terraços inclinados, neste caso com uma inclinação de 40%, com capacidade para um maior número de fiadas de vinha e com bardos paralelos aos muros dos socalcos, num compasso mais estreito, em forma baixa e aramada, com esteios de lousa, um sistema típico de suporte das vinhas do séc. XIX.

Vinha Pintas (III).

    O trabalho realizado ao longo dos anos permitiu identificar a composição da vinha, um field-blend com uma multiplicidade de 40 castas diferentes e tradicionais do Douro, misturadas, como se fazia antigamente, com uma rica heterogeneidade própria das vinhas velhas, um património natural, um "laboratório vivo irrepetível" com uma grande diversidade genética e uma alta densidade de plantação, com 6000 a 7000 videiras por hectare e onde se detecta uma predominância de algumas variedades como a Touriga Francesa, a Touriga Nacional, muita Tinta Roriz e também algum Alicante Bouschet, mas onde as castas secundárias têm um papel muito importante para a complexidade e identidade dos vinhos. Os rendimentos são muito baixos, podem atingir 3000kg. por hectare nos melhores anos. No entanto, a produção média aproximada é de uma tonelada por hectare, que se tem revelado ao longo dos anos de uma consistência de qualidade assinalável e que é um bom exemplo da originalidade, identidade e do carácter distintivo das vinhas velhas do Douro, em que as castas se complementam e o enólogo praticamente não interfere.

    Uma outra curiosidade comum a este tipo de vinhas é que, com a convivência de muitos anos de várias castas misturadas, com pontos de maturação diferentes, é extraordinário o comportamento das plantas quando estão em conjunto, em que os ciclos naturais tendem a ser mais aproximados, o que acontece, por exemplo, com a floração, que ocorre mais em conjunto do que aconteceria se as plantas estivessem separadas, evidenciando-se uma homogeneidade com a integração das várias castas e a aproximação dos pontos de maturação.

"Uma vinha com uma identidade muito própria, com uma personalidade muito forte, com uma série de variedades misturadas, que isso é o que é fantástico nas vinhas velhas do Douro, é a imensa diversidade que temos de castas.". (STS)

    Desde a primeira vindima e vinificação realizada em 2001, que foi manifesto que esta era uma vinha especial e com um perfil único. Está na origem dos vinhos "Pintas" Douro e Porto, que exprimem as várias facetas da vinha e que provam que as vinhas tradicionais que produziam vinho do Porto têm também capacidade para produzir grandes vinhos do Douro, apesar das parcelas da vinha de onde são colhidas as uvas que se destinam a cada um destes estilos de vinho estarem bem definidas e delimitadas. As uvas das parcelas de vinha mais próximas do rio Pinhão, numa cota mais baixa, a cerca de 300 metros de altitude, destinam-se ao vinho do Porto vintage e as uvas das parcelas a maior altitude, ao vinho Douro D.O.C..

    Não é só o vinhedo, mas também o ambiente envolvente, a natureza e a paisagem onde a vinha se integra que é fundamental ponderar, no contexto de uma paisagem diversa e entrecortada, policultural e de geometria variada, com vinha e pequenas bolsas de olival e oliveiras dispersas, uma pequena mata original, com diversas espécies de flora autóctone, como o carvalho, o carvalho negral, o sobreiro, o zimbro, o medronheiro, o castanheiro, a azinheira, a urze, os tufos aromáticos de esteva e rosmaninhos, e outras espécies que criam um microclima próprio e asseguram o equilíbrio e harmonia natural.

    Importante para perceber que a paisagem duriense está longe de ser só vinha, é uma área natural que é necessário proteger também pelo vinho, "o vinho, a vinha e a natureza são indissociáveis" e como se compreende, todo este conjunto de elementos está na origem de uma identidade muito forte e singular. 

Voltaremos a considerar a importância da biodiversidade mais à frente, a propósito da Quinta da Manoella, uma vez que a experiência e os ensinamentos com a biodiversidade presente na Quinta da Manoella levaram a que se olhasse de outra perspectiva para a área envolvente da vinha "Pintas" e, a tomar a decisão de manter a mata que tinha sido adquirida inicialmente com a intenção de ser substituída por vinha, um objectivo que parecia ser óbvio num primeiro momento, mas que seria mais tarde reconsiderado para preservar a mata e manter intacta a natureza e o ecossistema associado à vinha "Pintas", privilegiando a sua identidade.

As referências geográficas da vinha: latitude 41º13'45''N longitude 7º31'29O

A vista sobre o vale do rio Pinhão a partir da vinha "Pintas".
 

O mapeamento da vinha.

    Num terroir particular, o respeito e a responsabilidade por este valioso património e o compromisso com a sua preservação para assegurar o futuro, está na origem de um exaustivo e minucioso trabalho de elaboração de uma base de dados completa para o mapeamento da vinha, indispensável para identificar e conhecer a grande diversidade das múltiplas castas que a compõem, até ao momento, 42 castas diferentes. É um projecto demorado, mas imprescindível para o conhecimento das especificidades da vinha e exploração das suas potencialidades, mas também para a sua manutenção, renovação e replantação, sempre que necessário, para preenchimento das falhas e dar nova vida às videiras que cedem ao tempo, preparando e assegurando o futuro da vinha, onde cada falha é substituída exactamente pela mesma variedade com o mesmo genótipo, uma reconstituição que é feita com enxertos da própria planta que integra a vinha e que está perfeitamente adaptada às especificas condições deste local, preservando e conservando o quadro genético no futuro, a complexidade e a heterogeneidade, que são a sua identidade, permitindo ainda a possibilidade de replicar a vinha.

    É um projecto de precisão que futuramente vai com certeza ser reconhecido e valorizado.


    Como referimos, identificar castas numa vinha velha é uma tarefa difícil e demorada, árdua e dispendiosa, mas indispensável. Para a identificação das variedades de castas presentes através do conhecimento ampelográfico, recorreu-se à experiência acumulada dos antigos técnicos de campo, os classificadores da Casa do Douro, que trabalhavam naquela instituição que controlava a produção na região do Douro, que tinha como tarefa precisamente a identificação das castas no terreno para depois definirem a classificação das vinhas.


7. As outras vinhas da Wine & Soul, um puzzle de vinhas.

    Para além desta vinha principal, a procura constante e o investimento na exploração de outras vinhas velhas ou pequenas parcelas de vinha dispersas, inicialmente nas proximidades da vinha "Pintas", que estão na origem do vinho "Pintas Character", também vinhas com uma grande variedade de castas, mas predominância de Tinta Roriz, Touriga Francesa, Touriga Nacional e Alicante Bouschet. No total são cerca de 8 hectares de vinhas velhas, com diversas localizações e exposições, sudoeste, norte e este, e altitudes variáveis entre os 200 e os 450 metros, ricas em variedades de castas com cerca de 30 castas indígenas do Douro, que foram sendo adquiridas e arrendadas ao longo dos anos, em vários pontos ao longo do vale do rio Pinhão, no que começa a ser um intrincado puzzle de pequenas parcelas e bolsas de vinha ao longo do vale, na grande maioria vinhas velhas.

    Actualmente a Wine & Soul conta com uma área total de 30 hectares de vinha nesta região, dos quais 18 hectares correspondem aos vinhedos da Quinta da Manoella e 6 hectares de vinhas destinas aos vinhos brancos da casa.

As vinhas destinadas aos vinhos brancos (no total 6 hectares). Esta procura de vinhas especiais levou inicialmente à compra de uvas e posteriormente ao arrendamento e aquisição de vinhas também noutras áreas. Aqui, o segredo é o local, o conhecimento das vinhas e das localizações em regiões mais altas, nos altos do Douro, são vinhas diferenciadoras com as condições ideais e a frescura necessária para a produção de vinhos brancos, que permitiu a identificação de uma vinha velha com aproximadamente 60 anos, na zona de Porrais, em Murça, mais no interior do território e próxima da fronteira que separa o Douro de Trás-os-Montes, plantada numa zona mais fresca em terrenos a maior altitude que varia entre os 600 e os 700 metros, e com uma exposição predominante a norte, com variedade de solos, numa zona de transição já com a influência do granito, com vinhas plantadas em solos integralmente de xisto, outras em zonas de transição com solos xistosos e cerca de 10% granito e outras ainda em solos totalmente graníticos, solos com a presença de filões de quartzo com sulfuretos, que conferem mineralidade e intensidade aos vinhos. Estes solos têm características específicas, têm texturas ligeiras, são pobres e ácidos e uma reduzida capacidade para a retenção de água, o que em conjugação com a altitude e as castas brancas típicas e tradicionais das vinhas velhas, revelam-se perfeitos para vinhos brancos. 

A vinha de Pombal de Ansiães, uma aldeia do concelho de Carrazeda de Ansiães, uma vinha recente adquirida no final de 2019, também destinada a vinhos brancos, uma vinha velha tradicional muito pequena, com registo de existência pelo menos desde 1932, mas com certeza anterior, suportada por muros pré-filoxéricos em granito, com mistura de castas diversas, plantada em solo com predominância do granito, a uma altitude de 600 metros. Com a curiosidade interessante de ser atravessada por uma calçada romana.

Actualmente são 14 parcelas de vinha geograficamente dispersas por quatro aldeias. São vinhas de pequena ou mesmo muito pequena dimensão (a mais recente é uma vinha com apenas 0,1ha), em zonas clássicas que, no passado, produziam uvas para vinhos do Porto brancos com grande potencial de envelhecimento e que hoje se revela como uma região que começa a ser conhecida pelo seu potencial para a produção de vinhos brancos de grande qualidade.

As vinhas para os vinhos brancos ("guru"), em Murça. (fonte: Wine & Soul).
 

A vinha do Altar. Outrora denominada Quinta da Vinha Grande, é uma propriedade com uma área total de 27 hectares que é o mais recente projecto a que a Wine & Soul se dedica. É uma quinta que pertence a uma tia de JSB, localizada em Fermentões, a aldeia onde JSB cresceu, no planalto de Sabrosa. A vinha está plantada em solo 100% de xisto com uma área de 2,7 hectares e uma exposição predominante a norte numa zona a maior altitude, a cerca de 600 metros, daí a denominação de "Vinha do Altar", é como um altar voltado para o Douro, com uma vista extraordinária. É local onde sempre existiu vinha para a produção de vinhos brancos, vinhos do Porto e vinhos de mesa, trata-se de uma vinha nova plantada recentemente, há cerca de 7 anos atrás, com 3 variedades brancas onde o Viosinho predomina, mas também Gouveio e Arinto. A armação e a condução da vinha é a tradicional, diferente dos sistemas seguidos e vulgarizados nas vinhas mais recentes. Também aqui a vinha tem floresta que a rodeia, sobretudo souto e mata mediterrânica, que é gerida activamente com o desenvolvimento de um projecto de biodiversidade. Para além da vinha, existe também olival e muitas espécies de árvores entre as quais, castanheiros e cerejeiras e uma plantação recente de amendoeiras e aveleiras, pinheiros e pinheiro manso, com mais de duas mil árvores.

As vinhas da Quinta do Merouço em Castedo do Douro (fonte: Wine & Soul).

A Quinta do Merouço. É uma pequena vinha em Castedo do Douro, próxima da Quinta dos Malvedos (que fica um pouco mais a montante, depois da curva do rio), localizada na margem direita do rio Douro, numa zona de transição das sub-regiões do Cima Corgo e do Douro Superior, plantada em patamares a uma altitude entre os 121 e os 258 metros, em solo xistoso e com uma exposição predominante a sul e sudoeste e que por isso recebe mais horas diárias de luz solar. As uvas provenientes desta vinha destinam-se exclusivamente aos vinhos do Porto da casa. 

"dar expressão à vinha respeitando a identidade e a personalidade de cada uma delas". (JSB)

 

8. A Quinta da Manoella.

Memória e referências históricas.

Vista da Quinta da Manoella a partir de Celeirós do Douro: o edifício branco no centro da fotografia.

    A Quinta da Manoella é uma quinta secular de vinho do Porto, é uma antiga propriedade património da família Serôdio Borges - fazia parte de uma série de quintas de que a família era proprietária - desde o séc. XIX, cheia de memórias da família e na qual Jorge Serôdio Borges cresceu.

    Oito anos após o início da Wine & Soul, em 2009 surgiu a oportunidade de, por herança, adquirir a propriedade que passou a integrar o projecto e o conjunto de propriedades da casa, assim como um importante stock de vinhos do Porto tawny velhos. Representou um fortalecimento da ligação com o passado e com uma longa tradição duriense.

    A quinta aparece já referenciada no célebre mapa de Joseph James Forrester "Mappa do Paiz Vinhateiro do Alto Douro" - "Map of the Wine District of the Alto Douro", datado de 1843. Optou-se pela grafia e designação originais "Manoella" tal como assinalada neste mapa.


    A breve referência do livro "Quintas do Douro", de Júlio Alcino Cordeiro, em 1941: "Quinta da Manuela: freguesia de Vale de Mendiz, concelho de Alijó. Proprietário: Sr. Manuel António Teixeira de Sousa Serôdio.".

Descrição.

    É uma quinta tradicional do Douro, fundada em 1838, data inscrita na casa principal da quinta - comemora 185 anos. Uma casa de estrutura simples, num local especial, situada também na encosta da margem esquerda do rio Pinhão, poucos quilómetros a montante de Vale de Mendiz, e a cerca de 2 quilómetros a montante da vinha "Pintas". Historicamente, uma propriedade dedicada à cultura e produção de uvas e de vinho do Porto sem marca própria, vinho que era armazenado e depois vendido a granel, a seguir à vindima, às grandes casas inglesas exportadoras de vinho do Porto, que se abasteciam junto dos lavradores e famílias proprietárias do Douro. Uma parte do vinho do Porto vinificado era destinado ao envelhecimento na adega da quinta, como meio de o valorizar e criar mais valias. A Quinta da Manoella era uma das quintas em que se privilegiava a produção de vinhos do Porto Tawny.
    O trisavô de JSB, foi um dos visionários do Douro, durante o período da filoxera em meados da década de 1860, tomou a decisão de adquirir muitas propriedades que estavam a ser abandonadas e a determinada altura tinha mais de 30 propriedades na região, a maioria centrava-se no vale do Pinhão e uma dessas quintas era a Quinta da Manoella. 
    Nesta ligação familiar à região, o avô de JSB, era também proprietário de várias quintas no Douro e até 1985, os requisitos legais em vigor impunham a obrigatoriedade de exportação de vinho do Porto exclusivamente através do entreposto de Gaia, o que impedia os lavradores do Douro de engarrafar e comercializar o seu próprio vinho.
 

    A Quinta da Manoella tem uma área total de 60 hectares, dos quais 20ha são dedicados às vinhas, com diversas idades, altitudes e exposições solares, que se estendem até ao rio Pinhão no fundo do vale.
 
    Num ambiente simples mas muito autêntico e especial que revela a história desta quinta secular, a localização e o enquadramento natural que rodeia a quinta é extraordinário, a paisagem e a envolvência frondosa e fresca do bosque e o conjunto das vinhas e das parcelas de vinha centenária, a arquitectura da armação do terreno, o olival, os pomares e a horta. Existe também próximo da casa principal da quinta, um apiário com cerca de 50 colmeias para a produção de mel, que é uma das tradições das quintas durienses, sem esquecer o importante papel das abelhas na polinização.
    Ao longo dos anos tem vindo a ser realizado um trabalho progressivo de recuperação dos muros dos socalcos das vinhas da quinta e um dos futuros planos de investimento será a recuperação casa principal da quinta.
    É no edifício da casa principal da Quinta da Manoella que está a antiga adega e armazém de vinho do Porto, o que se sente, aliás, no aroma mesmo no exterior da casa e que a envolve. Na adega da quinta repousam os antigos cascos e tonéis de castanho português assentes em canteiros de pedra, e as barricas de carvalho de menor dimensão, uns recuperados e outros comprados, onde estagiam e envelhecem os vinhos do Porto da casa, em condições mais frescas e boa humidade. Com o passar dos anos, a pouco e pouco vai sendo construído e aumentado o stock de vinhos do Porto de várias idades e mais velhos. A adega onde estagiam os vinhos do Porto foi, entretanto, climatizada para um perfeito controlo de temperatura e uniformização do processo de envelhecimento e armazenagem.
 
As várias "Manoellas"...

    Com toda a probabilidade a quinta seria constituída por várias propriedades separadas e correspondentes a diferentes proprietários também, ou diversas famílias, uma vez que existiam vários lagares em vários locais diferentes da quinta, o que é contrário ao sistema tradicional, em que habitualmente existiam apenas lagares no principal edifício da quinta. No caminho que conduz à casa principal da quinta existem diversas casas em ruínas, umas foram certamente armazéns e outras adegas. Outro dos indicadores de que assim seria, são as oliveiras, que no Douro, tradicionalmente, dividem diversas parcelas de vinha e que seriam plantadas para assinalar as fronteiras e estabelecer a divisão com a propriedade vizinha. Ainda outra característica original é o facto de existirem dispersos pelos terrenos da quinta vários outros edifícios cuja arquitectura coincide com a tradicional duriense de uma casa principal de uma quinta vinhateira que, ao que todos estes indícios indicam poderiam ter constituído os edifícios principais ou propriedades autónomas em tempos passados.
 


9. A vinha centenária da Quinta da Manoella, o sentido do lugar.
 
    Da área total de 18 hectares de vinha existente nos terrenos da Quinta da Manoella, a par de vinhas mais jovens, com cerca de 30 anos e outras ainda mais recentes, aqui plantadas numa encosta mais íngreme da margem esquerda do vale onde corre o rio Pinhão, numa área aproximada de 5 hectares existe uma extraordinária vinha velha centenária com cerca de 120 anos, com algumas cepas que têm com certeza mais de 150 anos. Foi plantada pelo trisavô de JSB em muros de socalcos pré-filoxéricos que a suportam, estes certamente com mais de 200 anos de idade. É uma vinha sempre especial, sobretudo quando tem vindo a ser recuperada do seu estado inicial de quase abandono e do período de decadência porque passou nos anos 80 e 90 do século passado, para ser preservada para o futuro.
 
Parcela de vinha centenária da Quinta da Manoella.

    Constituí um dos grandes exemplos do grande terroir duriense, é um testemunho vivo do passado da região, esta magnífica vinha antiga centenária da Quinta da Manoella é o ex-libris da quinta, uma vinha cheia de história que é um importante testemunho e um o repositório de práticas e tradições ancestrais, com uma característica arquitectura do terreno e da paisagem que são típicas de uma vinha tradicional do Douro. Estas vinhas constituem um património natural incomparável na variada paisagem duriense.

A caracterização da vinha.

    A vinha está implantada em terreno declivoso, a uma altitude média de 250 metros, com uma amplitude que varia entre os 190 metros no fundo do vale e os mais de 360 metros, num terreno com um declive bastante mais pronunciado, com exposição a sul e a sudeste. É uma vinha rústica, um bom exemplar de uma vinha velha histórica do Douro, que constituem as chamadas primeiras vinhas pós-filoxéricas, plantada em socalcos pré-filoxéricos (anteriores à praga que devastou o Douro, que surgiu em 1863) em que os solos são sustentados por antiquíssimos muros baixos de pedra posta ou pedra seca, em geral de construção rústica e tosca, que formam terraços estreitos, pouco espaçados e com um plano horizontal, com solos xistosos, em que o terreno é obtido a partir da rocha e a área disponível para a vinha é limita e admite apenas um a dois alinhamentos de videira por socalco. Os socalcos comunicam entre si por pequenas escadas de pedra e os bardos de vinha correm paralelos aos muros dos socalcos, são conduzidos de forma baixa e aramada, com uma elevada densidade de plantação e com um compasso muito curto para o máximo aproveitamento de todo o terreno disponível.

     Tem uma notável e riquíssima variedade intencional de castas nativas, tradicionais do Douro, constituí um valioso património de 30 castas diferentes perfeitamente adaptadas a este local, com um nível de produção baixíssimo, que integram um terroir muito particular, único e exclusivo.


    Esta grande variedade possibilita que as castas se complementem na vinificação e que originem vinhos originais, complexos e concentrados, que nos transmitem a identidade da vinha. Neste repositório, as variedades são interessantes e muito diferentes das castas que compõem a vinhas "Pintas" ou das outras vinhas que estão na origem do "Pintas Character" por exemplo. Encontram-se a Tinta Francisca, Rufete e Tinta da Barca. O que começou por ser uma perplexidade foi compreendido com a função histórica da vinha e mesmo com a história do Douro e o contributo destas variedades com menor concentração e maior intensidade aromática, mais florais, com mais tanino e com maior acidez, para a específica produção de vinho do Porto Tawny que depois tinha como destino as casas de vinho do Porto e o envelhecimento durante muitos anos.

    Devemos considerar que, no Douro, a variedade de castas destas vinhas velhas, foi inicialmente pensada para a produção exclusivamente de vinho do Porto, porque era o vinho que melhor se adaptava às condições destes lugares. E agora se prova que estas vinhas, que ao longo dos anos estiveram na base de vinhos do Porto vintage famosos, também dão origem a vinhos tranquilos extraordinários.

    Para além de um micro-clima mais fresco que é gerado pela influência do bosque, aqui os solos xistosos são diferentes, são mais ricos e profundos e com um teor de matéria orgânica muito elevado, o que permite maior retenção de água e mais humidade no solo e ciclos de maturação mais longos e consequentemente vinhos com um estilo diferente. São solos completamente diferentes dos solos de xisto de Vale de Mendiz, mais a jusante, onde se localizam as outras vinhas da casa.

O trabalho na vinha.

    A vinha centenária da Quinta da Manoella, como todas as boas vinhas antigas tradicionais da região duriense em que se mantêm as tradições e as práticas ancestrais, é uma vinha cuja manutenção exige enorme dedicação e um trabalho intenso e árduo, em que todo o trabalho é manual, com uma grande quantidade de uma imprescindível mão-de-obra especializada, uma vez que nos socalcos antigos do Douro, com mais de duzentos anos, a grande densidade de plantação e o curto compasso das vinhas, não permite qualquer tipo de mecanização e torna indispensável a utilização da tracção animal para a realização de vários trabalhos na vinha, como a mobilização dos solos. Todos estes factores são absolutamente incontornáveis e dispendiosos e traduzem uma grande percentagem dos custos totais de produção, uma vez que a mão-de-obra na região, sobretudo especializada, é cada vez mais escassa e com um elevado custo.

    Todos os anos são feitos progressos no custoso trabalho de restauro dos edifícios da quinta, na reconstrução dos socalcos e na recuperação, revitalização e replantação da vinha. É preciso conhecer a quinta, a propriedade e a envolvência paisagística para perceber o ambiente especial deste local...

 O estudo e a preservação da vinha.

    Esta vinha velha tem sido objecto de um estudo pormenorizado para identificação e classificação da diversidade de castas tradicionais que estão presentes, como referimos, um trabalho sempre difícil e demorado. Até agora foram identificadas 30 variedades diferentes, com a curiosa predominância da Tinta Francisca. Como já mencionamos, é um estudo indispensável para assegurar a preservação, renovação e o futuro da vinha para as novas gerações, mantendo a variedade, a riqueza e a complexidade de castas que a compõem, conservando o património genético, evitando que se percam definitivamente. Este trabalho de identificação das castas, de registo e de mapeamento do encepamento, para além de permitir descobrir curiosidades raras como a casta Touriga Rosa, vai também ajudar a tomar decisões na viticultura e na enologia adaptadas à composição da vinha.

    A viticultura tem aqui um papel fundamental na prossecução desta finalidade e no plano em curso para recriar a vinha antiga da quinta, que constituí um campo ampelográfico em que se reproduz a heterogeneidade e a diversidade genética existente na vinha, com enxertos que utilizam o próprio material genético da vinha velha, das várias castas que vão sendo encontradas e catalogadas, para depois a renovar sempre que necessário e suprir as falhas e as videiras que, entretanto, entraram em falência e que são replantadas com varas da própria planta.

 

 As outras vinhas da Quinta da Manoella.

    As parcelas de vinha centenária da Quinta da Manoella que se acabam de descrever, são rodeadas de outras vinhas mais recentes, desde logo os cerca de 12 hectares de vinha, plantada em 1970 e inícios dos anos 80 pelo pai de JSB, com apenas cinco variedades de castas, Touriga Nacional, Touriga Francesa, Tinta Roriz, Tinto Cão e Tinta Barroca e que são a actual base dos vinhos "Manoella" tinto e rosé.

    A Vinha do Rio, plantada em 2010 junto ao rio Pinhão, foi a primeira vinha plantada de raíz pelos produtores e é constituída por 1/2 hectare de Touriga Nacional a partir de uma selecção massal, i.e., o resultado de uma selecção de vários clones das melhores plantas da mesma casta existente na quinta, mas de diferentes qualidades, com porta-enxertos com origem nas vinhas velhas, com o objectivo de manter e dar continuidade a este património numa vinha nova.

    Ainda mais recentemente, 3 hectares de vinha plantada em 2016 com a finalidade de replicar a variedade aleatória de castas presente na vinha centenária.

A Vinha Alecrim corresponde a uma pequena parcela da vinha velha centenária, das primeiras parcelas pós-filoxéricas a ser plantada na Quinta da Manoella, próxima da adega. Aqui, para além da proximidade da floresta, foi plantado junto à vinha, bisavô de JSB, um alecrim – que agora dá a designação a esta vinha - e que tinha a função de atraír as abelhas e potenciar a polinização.

10. A natureza e a importância da biodiversidade.

    A vinha a par da floresta e a floresta a par da vinha.

    Na paisagem da Quinta da Manoella sente-se a forte presença e a convivência harmoniosa das vinhas com a natureza. Para além das parcelas de olival, existe uma significativa área não cultivada, com uma superfície florestal original, constituída por um extenso e denso bosque bravio, espontâneo, típico da região do Douro, que em parte ocupou antigos mortórios pré-filoxéricos. É uma floresta nativa mediterrânica, com uma área de quase 30 hectares, protegida e preservada, com uma dimensão invulgarmente grande para a região. É um património paisagístico e uma reserva natural com grande valor ambiental e com uma enorme importância para o equilíbrio do ecossistema, a biodiversidade, a continuidade de habitats naturais e o enriquecimento ambiental. É certamente uma das quintas durienses com uma área de floresta tão dominante. 


    Em geral, a biodiversidade é também a identidade paisagística dos vales do Douro, que é heterogénea, um mosaico complexo em que para além das diferentes soluções arquitetónicas dos socalcos, a paisagem não é uniforme e constituída apenas por vinha, mas onde há uma descontinuidade da vegetação.

    Esta área favorece e abriga a existência de habitats naturais onde prosperam uma grande variedade de espécies de flora, de vegetação autóctone, desde árvores de porte mais importante, como carvalhos e sobreiros, pinheiros-bravos, zimbros e azinheiras, medronheiros, azevinhos, espinheiros, uma grande variedade arbustiva, como a urze, a esteva, a estevinha, o rosmaninho, a alfazema, assim como uma fauna diversificada com várias espécies cinegéticas, como perdizes, pombos, rolas, coelhos bravos, lebres e raposas.

     Por sua vez, os muros de pedra posta dos antigos socalcos das vinhas antigas, são também redutos de biodiversidade, são locais de abrigo de diversas espécies florísticas e faunísticas, servem de abrigo a várias espécies de répteis (cobras e lagartixas), mamíferos (como o ouriço e o musaranho), diversas aves e insectos. 

    A diversidade biológica e todos os complexos factores ecológicos têm uma influência directa no meios ambiente e no micro-clima específico deste local, são fundamentais para solos mais ricos e saudáveis, asseguram uma gestão equilibrada dos solos e da água, preservam melhor a humidade e influenciam a temperatura em toda a área envolvente e, obviamente, para além de enriquecerem a paisagem, valorizam e influenciam também as vinhas, que aqui têm ciclos de maturação mais longos e às quais trazem a frescura e a humidade necessárias para amenizar o intenso calor do verão no Douro.

    Foi a partir da experiência na Quinta da Manoella e dos ensinamentos práticos deste equilíbrio natural e a influência decisiva no clima, na regulação da temperatura e na manutenção da humidade, que depois levou a considerar outras vinhas e a sua localização, com uma perspetiva diferente, concretamente com o exemplo da vinha "Pintas", a mata e toda a sua envolvência natural, que ocupa terrenos para os quais tinha sido planeado inicialmente o alargamento da área de vinha. Porém, o plano seria abandonado a favor da não alteração e da conservação da natureza existente na área circundante da vinha, protegendo e biodiversidade e por sua vez mantendo a protecção que esta confere aos vinhedos. Um propósito fundamental quando actualmente se perde biodiversidade a um ritmo acelerado.


Onde?
Wine & Soul: o centro de actividade, adega, centro de vinificação, casa dos lagares e centro de visitas:
Avenida Júlio de Freitas, Vale de Mendiz
5085-101 Pinhão

enoturismo@wineandsoul.com - marketing@wineandsoul.com
telf.: +351 254 738 076 - tlm.: +351 93 616 14 08
(referências geográficas: latitude 41º13´18"N e longitude 7º32´01"O)

Quinta da Manoella
(referências geográficas: latitude 41º14´58"N e longitude 7º32´03"O)
 

(continua depois... com:)

Parte II.

  1. Depois das vinhas, o vinho. Vinificadores de vinhas. A identidade dos vinhos da Wine& Soul. A vinificação.
  2. Os mercados e a exportação.
  3. Conhecer os vinhos. Os vinhos D.O.C. Douro.
  4. A indispensável atenção aos vinhos do Porto. A tabela Pintas Porto vintage.
  5. O azeite.

Adega de vinhos D.O.C., Douro, no antigo armazém em Vale de Mendiz.

Texto e fotografia ©Hugo Sousa Machado

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