Um ano dramático, de muito calor e seca extrema
O vale do rio Távora. Ao fundo, na margem direita, a Quinta do Panascal. |
"A vindima 2022 foi sem dúvida uma vindima desafiante. A dramática falta de água sentida na região do Douro colocou as videiras (especialmente as mais expostas e situadas a cotas mais baixas) sob um stress hídrico tremendo. Devido a estas condicionantes, as expectativas criadas por uma boa nascença acabaram por se traduzir em volumes reduzidos, devido à produção de cachos com bagos bastante pequenos e com pouco sumo. A falta de água verificou-se também em algumas dificuldades no processo de maturação das uvas com alguns desequilíbrios em termos de teor de açúcar e acidez. Em termos fitossanitários, a ausência de doenças fez com que os cachos se encontrassem em perfeitas condições na altura da vindima.
Foi uma vindima longa, que começou mais cedo e acabou um pouco tarde, acabando por beneficiar de alguns dias de chuva que permitiram ajudar as uvas colhidas mais tarde a completar a maturação. Estou bastante entusiasmado com o potencial que os vinhos mostram nesta fase.".
(Ricardo Nunes Pereira, Enólogo e Director de Produção, Chuchill's).
"Início de vindima muito condicionado pela acentuada seca e pela vaga de calor que decorreu entre o final de Junho e meados de Julho. Uvas das zonas baixas apresentam valores baixos de acidez e açúcar por volta do dia 20 de Agosto e taninos ainda um pouco verdes. Apesar disto, decidimos começar de uma forma lenta para não perder mais acidez nos mostos.
As chuvas de 13 e 14 de Setembro vieram trazer uma nova vida às uvas das zonas altas. As temperaturas a partir da segunda metade de Setembro começaram a descer, sobretudo durante a noite, o que permitiu que as vinhas localizadas em pontos mais altos e ainda por vindimar pudessem terminar a maturação concentrando mais açúcar, amadurecendo os taninos e com níveis equilibrados de acidez. Decidimos parar a vindima entre 12 e 18 de Setembro para dar tempo à água da chuva dos dias anteriores de ser bem assimilada pelo solo.
Houve, de facto, uma grande mudança na qualidade das uvas quando retomamos a vindima a 19 de Setembro. Parecia uma vindima diferente da que até então estava a decorrer. A qualidade veio diariamente a melhorar à medida que os dias arrefeciam e que a vindima passava para as vinhas em cotas mais altas. Terminamos a vindima dia 15 de Outubro com um sorriso na cara pela qualidade que conseguimos obter nas últimas semanas. Foi fundamental a paciência para obter uvas realmente boas e correctamente amadurecidas. Mais um ano diferente de todos os outros que tinha vivido. A vida é uma aprendizagem contínua e a paciência com as videiras é uma qualidade que devemos preservar.".
(Óscar Quevedo, Quevedo Wines Owner & Chief Friendologist).
O Outono
As vindimas terminaram nos primeiros dias de Outubro, com chuva e as temperaturas a descer, a que se seguiu tempo seco, num Outono soalheiro (Outubro e Novembro), com muito sol e temperaturas inferiores à média nesta época do ano, em todas as sub-regiões do Douro, com uma grande amplitude térmica e temperaturas mínimas baixas (até final de Novembro 2021).
A grande paisagem duriense exibe a extraordinária profusão de cores de Outono, antecipando a perda das folhas das videiras e o início de outra fase das vinhas, o repouso vegetativo que durará até à próxima Primavera quando se iniciará um novo ciclo, com os dias mais frios e o Inverno próximo. A vinha entra no seu período mais baixo de actividade, esta dormência da vinha é um período de descanso que decorre entre Dezembro e Março. Durante este período a actividade da videira concentra-se no seu sistema radicular, com o crescimento das raízes e a busca de nutrientes no solo que permitam manter-se durante o Inverno e criar uma reserva com a energia necessária para o desenvolvimento na Primavera.
Seguem-se os trabalhos de poda, que têm início em Dezembro, com as manhãs de nevoeiro do vale do Douro, que são comuns nesta época do ano. A poda é um dos trabalhos mais importantes na vinha, indispensável para preparar as videiras para a próxima colheita, é um processo fundamental para regularizar e assegurar a qualidade de produção, rejuvenescer a videira e conservar o equilíbrio vegetativo.
No início de Dezembro (6 a 9), de acordo com os dados do IPMA (Instituto Português do Mar e da Atmosfera), os períodos de chuva forte são os efeitos indirectos da passagem da depressão "Barra".
Seguiu-se tempo seco e durante o mês de Dezembro as temperaturas registadas oscilaram entre valores acima da média, aprx. entre 2ºC a 5ºC, para depois baixarem para os valores médios, a que se seguiram valores inferiores à média, aprx. menos 4ºC a 5ºC.
Detalhe da vinha na Quinta do Bomfim. |
O Inverno
No começo do Inverno voltou a chuva a toda a região demarcada e no final de Dezembro e início de Janeiro as temperaturas aumentam, os valores registados variam entre 2ºC a 4ºC acima dos valores médios. Seguiu-se tempo seco.
Nas vinhas, os trabalhos de poda continuam, num Inverno ameno. Por regra, os Invernos amenos não são bons porque não permitem que a vinha se recomponha e a falta de frio, gelo e neve, não elimina as pragas da vinha, assim como existe a tendência da vinha começar a renascer antes do que seria habitual.
De acordo com um estudo publicado na revista "Nature Climate Change", a falta de chuva antecipa a Primavera no hemisfério norte, porque com menor nebulosidade as temperaturas de dia e de noite têm maior amplitude, há mais radiação solar e geadas, confundindo as plantas, que assumem que chegou a Primavera. Para além dos Invernos amenos, este novo trabalho, que relaciona pela primeira vez a seca com o despertar prematuro da natureza, revela que a falta de chuva também leva a que as plantas floresçam antes do tempo no hemisfério norte, onde as chuvas diminuíram a sua frequência nos últimos 30 anos, afectando o calendário natural das plantas.
"Menos precipitação significa menos nebulosidade, o que se traduz em mais horas de sol, temperaturas mais altas e noites mais frias, o que faz avançar a acumulação de frio necessária para que nasçam as plantas", que com este conjunto de condições se confundem e nascem mais cedo." "Não chove e temos geadas e grandes amplitudes térmicas que fizeram adiantar a Primavera de forma evidente.".
No final de Janeiro e início de Fevereiro; dias de muito sol, o tempo seco mantém-se e prolonga-se, todo o território nacional atravessa uma fase de seca meteorológica, no norte do país seca moderada. As temperaturas registadas são inferiores aos valores médios, aproximadamente menos 3ºC a 5ºC (algumas temperaturas mínimas registadas no dia 23 de Janeiro: -2,4ºC em Adorigo (Cima Corgo); -1,7ºC em Soutelo do Douro (Cima Corgo); -5,3ºC na Vilariça (Douro Superior); -1,2ºC no Pinhão (Cima Corgo)).
De acordo com os registos do IPMA, os meses de Novembro 2021 e Janeiro 2022 foram muito secos e houve um período de seca meteorológica que se iniciou em Novembro de 2021. O mês de janeiro de 2022 registou valores de precipitação muito inferiores ao normal, menos 25% em média. Considerando o ano hidrológico de Outubro 2021 até final de Janeiro de 2022, o valor acumulado de precipitação registou um défice de 45% em relação ao normal. Janeiro 2022 foi um dos três meses mais secos dos últimos 20 anos. Houve um aumento significativo da área e da intensidade da situação de seca e uma diminuição do índice de água no solo.
É durante o mês de Fevereiro que a paisagem do Douro Superior se começa a cobrir de tons branco e rosa com as amendoeiras a florir, o primeiro anúncio de Primavera.
Houve alguma chuva em Fevereiro (13 e 14), todavia, com pouca intensidade e insuficiente, para logo voltar o tempo seco. Registou-se um novo agravamento da situação de seca, a região do Douro está agora numa situação de seca severa. De acordo com o IPMA "até à data, 2021/2022 é também o ano hidrológico mais seco quando comparado com outros anos de seca meteorológica.".
Início de Março (9), registou-se o choro da videira, com um Inverno mais quente e com a falta de chuva, o choro da videira começou mais cedo, a seiva começa a fluír pela videira, subindo das raízes em direcção aos cortes deixados pela poda e que anuncia o começo de um novo ciclo.
Foi um Inverno bastante seco. No mês de fevereiro, houve novo agravamento da situação de seca e a região do Douro numa situação classificada como seca severa (sub-região do Baixo Corgo) e a seca extrema (sub-regiões do Cima Corgo e Douro Superior) - de acordo com o índex PDSI (Palmer Drought Severity Index). Em Fevereiro toda a região estava numa situação de seca extrema.
No mês de Março choveu na maior parte do território nacional e ligeiramente acima da média na região norte do país, o que permitiu alguma recuperação, mas foi ainda insuficiente para pôr termo à situação grave de seca.
A Primavera
Um novo começo, as vinhas começam a despertar do período de dormência vegetativa, com o início da Primavera, com o tempo seco de volta e o aumento das temperaturas máximas e médias e os valores médios superiores aos registos entre 2ºC e 3ºC.
No final de Março (28), fazem-se sentir os efeitos deste calor de começo de Primavera. Já é visível o abrolhamento, os gomos da videira começam a rebentar numa fase sensível das vinhas. Esta fase ocorreu mais tarde do que o normal, consequência da adaptação das videiras às condições climáticas. Depois, no início de Abril, a fase de transição entre o abrolhamento e o crescimento inicial da videira, em que começam a surgir as primeiras folhas e a fotossíntese tem início. Estas primeiras folhas vão crescer rapidamente durante as próximas semanas, evoluindo de um tom rosado quando nascem para progressivamente mudarem para verde à medida que crescem e se vão tornando cada vez mais resistentes. As vinhas ganham nova vida e os tons de verde começam a tomar conta e a cobrir progressivamente a paisagem.
Em Março e Abril a situação de seca severa mantém-se e grande parte do Douro Superior está numa situação de seca extrema.
Registou-se alguma precipitação em Abril e as temperaturas começaram a aumentar para valores acima da média, entre 2ºC e 4ºC e com temperaturas máximas em meados de Abril (16), de 28,8ºC no vale da Vilariça, 29,6ºC no Pinhão e 29ºC em Cambres. O tempo mantém-se seco e as temperaturas altas ao longo do mês de Maio. Em meados de Maio (16), surge a notícia de estragos provocados pela queda de granizo em áreas muito localizadas em Freixo de Numão e Vila Nova de Foz Côa, no Douro Superior.
A fase da floração da vinha ocorre a partir da segunda semana de Maio, é uma das fases mais importantes do ciclo da vinha, em que pequenas flores emergem que depois vão formar os bagos e os cachos. O desenvolvimento dos bagos ocorre depois de uma polinização vem sucedida das flores durante a floração.
Regista-se uma boa nascença em toda a região, o que é sempre um bom indício para a progressão da vinha. O estado fitossanitário das vinhas é bom, sem ameaças de doenças.
Na última semana de Maio: bastante calor e temperaturas altas, em geral muito acima dos valores médios (no Pinhão registou-se 36,2ºC no dia 28). Nos meses de Maio e Junho a situação de seca agrava-se e todo o território está agora em seca severa.
A primeira vaga de calor, ocorre no período de 9 a 15 de Junho, com temperaturas registadas cerca de 8ºC a 9ºC superiores aos valores médios para a região para esta época do ano. Registaram-se as temperaturas máximas: 40,1ºC no vale da Vilariça, 41,3ºC em Adorigo, 41,6ºC em Soutelo do Douro e 40,7ºC no Pinhão. Depois houve uma descida, mas ainda assim a temperatura manteve-se em valores elevados.
Alguns factos: O Inverno e a Primavera foram quentes e secos. Novembro 2021 foi o 3.º mês mais seco dos últimos 90 anos. Dezembro 2021 foi o mais quente desde 1931. Janeiro 2022 foi o 2.º mês mais seco desde 2000 e o 5.º mais quente desde 2000. Fevereiro 2022 foi o 3.º mais seco desde 1931. O mês de Maio 2022 foi o mais quente dos últimos 92 anos.
O Verão
Prossegue o ciclo da vinha com o desenvolvimento dos primeiros bagos e a fase de crescimento e fecho dos cachos, no final de Junho.
Estamos a cerca de dois meses do início das vindimas, que se espera mais precoce do que o habitual.
Durante o mês de Julho, para além do calor, ocorreram incêndios em vários pontos da região, em Murça, Alijó e Carrazeda de Ansiães (a Quinta do Zimbro perdeu cerca de um hectare de vinha velha), com várias notícias de algumas vinhas atingidas pelo fogo. Um avião de combate aos incêndios despenhou-se nas vinhas da Quinta do Crasto em Castelo Melhor, no Douro Superior (14).
Dias muito quentes e outra onda de calor a partir do dia 7 de Julho. As temperaturas a subiram cerca de 3ºC a 5ºC acima dos valores médios. Alguns exemplos de temperaturas máximas registadas neste período (dia 14 de Julho): 43,5ºC em Canelas (Baixo Corgo), 43,4ºC em Cambres (Baixo Corgo), 45,8ºC em Adorigo (Cima Corgo), 46,5ºC no Pinhão (Cima Corgo) que foi a temperatura mais alta de sempre no país, 45,6ºC em Soutelo do Douro (Cima Corgo) e 45,9ºC na Vilariça (Douro Superior).
O mês de Julho foi o mais quente dos últimos 92 anos. Até agora é o ano mais seco desde que existem registos.
Na Quinta do Bomfim, junto ao Pinhão, o registo de precipitação no período que decorreu entre Novembro 2021 e Agosto 2022 foi 170mm, que representa um decréscimo de 70% relativamente à média dos últimos 30 anos.
A falta de água e as reservas de água inexistentes ou muito baixas, as altas temperaturas e o calor extremo provoca o processo de evapotranspiração, que é a soma da evaporação da água pela superfície do solo e a transpiração e perda de água da videira. Para se defender, a videira reduz a sua actividade poupando as suas reservas e interrompendo ou prejudicando o ciclo normal de maturação. As videiras das zonas mais baixas, voltadas a sul e no Douro Superior, são as que mais sofrem.
Seguiu-se a fase do pintor (a partir de meados e final de Julho), em que os bagos da uva começam a ganhar côr, as uvas tintas passam de verde a tons avermelhados e as castas brancas ficam mais translúcidas e começam naturalmente a ganhar teor de açúcar e componentes aromáticos e a perder concentração de acidez, é um processo que ocorre apenas em alguns dias e que não é uniforme, os bagos não amadurecem todos ao mesmo tempo e os cachos assumem vários tons de côr. Este ano ocorreu com cerca de um mês de atraso em relação ao ano anterior, revelando as dificuldades do amadurecimento das videiras.
Num período cada vez mais longo de seca, as vinhas apresentam um crescimento limitado e nem todos os cachos revelam o mesmo vigor.
Nas primeiras semanas de Agosto: as prolongadas temperaturas máximas altas próximas dos 40ºC e as temperaturas médias sempre superiores aos valores médios, em cerca de 3ºC e 4ºC.
A Vindima
Começa o jogo de paciência até ao melhor momento para a decisão de iniciar a vindima. As equipas de viticultura são responsáveis pelos planos de corte, determinam o ponto óptimo de vindima, o momento de início e quais as parcelas de vinha que devem ser vindimadas e por que ordem. É necessária muita paciência e experiência para determinar o momento ideal em que as variáveis maturação e acidez se conjugam e estão no ponto considerado óptimo.
Cada casta, cada parcela ou secção de vinha tem os seus factores ambientais próprios e o seu ritmo de maturação específico, no entanto, em geral, este ano no Douro foi uma vindima precoce.
Na primeira semana de Agosto, a Niepoort iniciou a vindima das suas parcelas de Pinot Noir.
E depois, os restantes registos:
A Ramos Pinto iniciou a vindima da casta Viosinho na Quinta dos Bons Ares, no dia 5 de Agosto, terminando as vindimas no dia 7 de Outubro. Na Quinta da Ervamoira o início foi no dia 12 de Agosto com a vindima da casta Folgasão e restantes castas brancas. Na Quinta do Vallado, a vindima das castas brancas teve início no dia 9 de Agosto. Nesta casa não houve memória das vindimas terem começado tão cedo. No dia 12 de Agosto vindimou-se o Moscatel Galego, terminando a vindima no dia 28 de Setembro A Quinta do Vale Meão começou a vindima no dia 17 de Agosto, com a casta Rabigato na Quinta de Janeanes (no Pocinho). A Quinta do Crasto iniciou no dia 18 de Agosto. A família Hehn (produtora de vinho espumante em Armamar, na região de Távora-Varosa), iniciou a vindima no dia 18 de Agosto. A Quinta da Pedra Alta, no dia 22 de Agosto. Na Quinta Seara D'Ordens a vindima teve inicio no dia 23 de Agosto e terminou no dia 25 de Setembro.
Iniciaram a vindima no dia 24 de Agosto: Alves de Sousa (na sub-região do Baixo Corgo), a Vieira de Sousa (Cima Corgo) iniciou a vindima das castas brancas e terminou no dia 30 de Setembro, Muxagat (sub-região do Douro Superior). Neste mesmo dia teve também inicio a vindima na Quinta da Gricha (Churchill's), com a colheita das uvas brancas, que depois terminou com o último lagar no dia 3 de Outubro. A Van Zellers & Co. começou a vindima das castas brancas no dia 26 de Agosto. A Quinta de la Rosa começou a vindima das castas brancas no dia 27 de Agosto e no dia 29 a colheita das uvas tintas com a Touriga Francesa. Terminou no dia 28 de Setembro. Na Quinta de Marrocos a vindima começou no dia 29 de Agosto, no mesmo dia na Quinta do Pessegueiro onde terminou no dia 14 de Outubro, também na Wine & Soul, que terminou a vindima no dia 27 de Setembro. Na Quinta do Mourão a vindima começou no dia 30 de Agosto e também na Kranemann Wine Estates que vindimou as primeiras uvas tintas de Tinta Roriz. Na Quinta do Panascal (Fonseca Guimaraens) o começo da vindima foi no dia 6 de Setembro e o fim no dia 19 de Setembro.
O mês de Setembro começou com temperaturas de acordo com os valores médios para a região e no dia 5 e 6, em plena vindima, choveu em toda a região. Depois um segundo período de chuva em quantidade mais significativa, entre os dias 12 a 15 de Setembro, com as temperaturas máximas a descerem e temperaturas médias um pouco inferiores aos registos. A partir do dia 16, sem chuva e as temperaturas progressivamente a aumentar. Em todo o caso, Setembro foi considerado um mês chuvoso, o que amenizou a grave situação de seca.
A chuva em Setembro, a meio da vindima, que habitualmente é um problema, neste ano particular foi um factor importante e o melhor que podia ter acontecido e teve consequências directas e muito positivas nas vinhas que estavam em stress hídrico prolongado e provavelmente terá salvo muitas delas. As uvas ganharam peso e conseguiram amadurecer melhor. A chuva veio também marcar a vindima entre uma fase anterior e uma fase posterior à chuva. Na maior parte dos casos, houve interrupção da vindima por alguns dias, logo a seguir à chuva.
Adega da Quinta do Bomfim. |
Comentário geral
"As condições deste ano foram tão extraordinárias que ninguém sabia como as vinhas iriam reagir.". (Symington blog)
Foi uma vindima muito difícil, como consequência de um ano também extraordináriamente difícil, extremamente quente, seco, em que a falta de água levou as videiras e a viticultura ao limite do stress hídrico das plantas.
2022 foi um dos anos mais secos do século e o ano hidrológico foi o mais seco desde 1931. No Douro Superior foi o ano mais seco desde que há registos.
Nestes anos de clima extremo, as vinhas mais resistentes são as vinhas velhas, que mostram porque são especiais, as mais adaptadas aos terrenos e as castas mais resistentes, como a Touriga Francesa e a Tinto Cão. Com mais dificuldades, as vinhas voltadas a sul, as mais expostas e as localizadas a cotas mais baixas, as vinhas mais jovens e as sujeitas às condições de extrema secura do Douro Superior.
A nascença prometia muito, havia muitos cachos nas videiras, mas depois a falta de água e as sucessivas ondas de calor tiveram um enorme impacto nas vinhas e na produção final.
Houve desequilibrios na maturação das uvas, o excesso de calor e a falta de água provocou interrupções nas maturações.
Nas vinificações dos vinhos brancos, as primeiras análises revelaram valores desequilibrados que levará à necessidade de correcções na adega.
Desequilíbrios também na qualidade das uvas, acidez, teores de açúcar e componentes aromáticos, que em muitos casos ficou comprometida, bagos mais pequenos nos cachos, com menos polpa e natural quebra de rendimento. Houve áreas mais expostas, com maturações inconsistentes, em que o Douro Superior será um dos exemplos.
O calor extremo e o stress hídrico afectou o ciclo vegetativo da videira e originou bagos mais pequenos e menos cachos por videira e em muitos casos pondo em causa a própria integridade de muitas videiras.
O ano seco trouxe também menor pressão das doenças da vinha e consequentemente a necessidade de menos tratamentos, que depois a vindima revelou com uvas em bom estado sanitário.
Quebra de produção de cerca de 15% em relação a 2021, o que acabou por não ser tão mau quanto se previa inicialmente. Passou-se de uma previsão bastante mais negativa em Junho para um pré-balanço mais positivo para o qual as chuvas de Setembro foram um elemento decisivo. Todavia, foi um ano em que os índices de produtividade, de rendimentos Kg./videira e Kg/L foram baixos, com valores significativamente inferiores, sobretudo se considerarmos algumas castas como a Tinta Roriz e Touriga Nacional.
Menor quantidade e níveis de qualidade dos vinhos muito heterogéneos.
Foi também o ano em que voltou a animação aos lagares tradicionais do Douro, voltou-se à pisa a pé depois de dois anos de interrupção em consequência das limitações impostas pelo combate à pandemia covid-19.
O impacto das alterações climáticas foi bastante real neste ano, situações que antes eram excepcionais, agora são a frequente realidade, num clima cada vez mais quente e seco, o aumento das temperaturas, a diminuição dos índices de precipitação, períodos de seca e ondas de calor mais frequentes e intensas e com duração mais prolongada, tempestades de granizo na Primavera e escaldões nos períodos mais quentes. Metade dos dez anos mais quentes e seis dos dez anos mais secos ocorreu já este século.
Os registos mostram que entre 1967 e 2010, a temperatura média anual no Douro, aumentou 1,3ºC e, como consequência, os ciclos de crescimento mostram sinais de perturbação, com a tendência evidente de ciclos mais curtos e vindimas precoces.
Nas zonas mais sensíveis (como na sub-região do Douro Superior) pondera-se a utilização de sistemas de irrigação controlada para manter a cultura da vinha viável. A médio prazo, entre as soluções propostas será a relocalização das vinhas para altitudes mais elevadas ou zonas de microclima, que é uma das vantagens da viticultura de montanha, a escolha de locais que exponham menos a vinha à radiação solar intensa e com uma orientação preferencial a poente e norte. Outras soluções apontam também para a importância do sistema de condução da vinha e podas que permitam que a vinha ganhe capacidade de resistir a temperaturas mais altas e ao stress hídrico, sistemas de protecção solar e protecção dos solos para retenção de humidade. Igualmente importante é o estudo e o melhor conhecimento do comportamento e dos ciclos das castas autóctones da região.
Textos e fotografias ©Hugo Sousa Machado
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